Apologia de Sócrates - por Platão - Apresentação
De acordo com Diógenes Laércio, a acusação apresentada contra Sócrates, em janeiro de 399 a.C., foi a que segue:
"A seguinte acusação escreve e jura Meleto, filho de Meleto, do povoado de Piteo, contra Sócrates, filho de Sofronisco, do povoado de Alópece. Sócrates é culpado de não aceitar os deuses que são reconhecidos pelo Estado, de introduzir novos cultos, e, também, é culpado de corromper a juventude. Pena: a morte"
A cidade de Atenas não podia mover ações, mas um cidadão podia, assumindo, porém, total responsabilidade, se a acusação não fosse considerada procedente pelo júri. O acusador era Meleto, mas não só ele; também Ânito e Lícon, com os mesmos direitos à palavra no decorrer do processo. Meleto era o acusador oficial, porém nada exigia que o acusador oficial fosse o mais respeitável, hábil ou temível, mas somente aquele que assinava a acusação.
E, neste caso, a influência exercida por Ânito constituiu o elemento mais respeitável no desfecho do processo, que foi por ele zelosamente preparado nas reuniões dos diversos cidadãos, sustentando-o com a autoridade de seu nome.
No Eutífron, vemos que Sócrates, ao se aproximar do Pórtico do Rei, onde fora afixada a acusação por Meleto, ao ser inquirido pelo adivinho Eutífron a respeito de quem era aquele que o acusava, respondeu: "Sei bem pouco a respeito dele, talvez porque seja um homem jovem e desconhecido. Acredito chamar-se Meleto, do povoado de Piteo, de cabelos lisos, barba rala e nariz em forma de bico de pássaro".
A respeito de saber com exatidão quem era esse Meleto, existem muitas dúvidas, sendo uma delas se se tratava do personagem citado por Aristófanes. Mas não há elementos em que basear essa suposição, pois um jovem poeta de 399 a.C. pouco provavelmente chamaria a atenção de Aristófanes em 405 a.C., além de considerar que Sócrates insiste no fato de que Meleto é desconhecido.
Julgar tratar-se do Meleto que, em 399 a.C., chegou a tomar parte da acusação contra Andócides, no célebre processo por causa da mutilação da estátua de Hermes e da profanação dos Mistérios, seria muito conveniente, por haver sido essa também uma acusação de impiedade. Contudo, existe outro obstáculo, de acordo com a própria informação de Andócides: esse Meleto foi um dos que, em 404 a.C., por ordem dos Trinta Tiranos, se prestaram a deter Leon de Salamina. À parte o problema da mudança de lado - de partidário dos Trinta Tiranos tornar-se aliado de Ânito, que derrotara e expulsara esses mesmos Trinta Tiranos –, sobra a dificuldade de explicar por que motivo Sócrates, que conforme ele mesmo afirma na Apologia, juntamente com outros quatro homens recebera a ordem de deter a Leon de Salamina, tendo sido o único a recusar-se a obedecer, não disse que Meleto era um desses homens.
Exceto se reputarmos que essa defesa não seja de fato de Sócrates, e sim escrita por Platão, que se vale do nome de Meleto, já então tido como um fanático religioso, a fim de engrandecer o mestre desaparecido.
Desse modo, podemos considerar Meleto de Sócrates o mesmo Meleto de Andócides, assim solucionando o problema que tanta discussão tem provocado, embora, logicamente, fique apenas no campo da suposição, já que nada corrobora realmente esta pretensão.
O pouco que conhecemos ou podemos presumir a respeito de Lícon é que pouca importância e autoridade teve no decorrer do processo, com seu nome sendo citado sempre com evidente desapreço.
Ânito, o mais importante dos acusadores, é aquele que, não resta dúvida, dava a impressão de conhecer Sócrates, que a ele alude como se Meleto fosse seu subordinado, como se deste tivesse se originado a idéia da pena de morte para persuadir Sócrates a abandonar a cidade antes que o processo tivesse seguimento. Ânito era filho de Antemione, comerciante de couro, nascera por volta de – 450 a.C. e já havia exercido importantes cargos e magistraturas, sendo estratego em 410 a.C. Após ter sido enviado ao exílio pelos Trinta Tiranos, juntamente com Trasíbulo e outros, regressou de File com estes e tomou parte da expedição armada contra o governo dos tiranos. Depois da restauração do regime democrático, tornou-se um dos mais eminentes cidadãos de Atenas.
Ânito manteve relação com Sócrates, segundo comprova sua atuação no Mênon, onde manifesta uma ameaça velada a este: "Afigura-se-me, ó Sócrates, que com muita facilidade te dedicas à maledicência, e eu te aconselho, se quiseres me ouvir, que tenhas cuidado".
A opinião de Platão a esse respeito é bem clara: não foi por razões religiosas que Sócrates recebeu a condenação, mas sim por questões evidentemente políticas.
A bem da verdade, Sócrates dera, mediante palavras e atos, patente mostra de sua obstinada repulsa aos governos democráticos.
Portanto, nessa época de instalação do regime democrático, convinha afastar de Atenas o mestre de Crísias, o homem que sempre se recordava de haver sido discípulo de Arquesilau, o qual, por sua vez, fora discípulo de Anaxágoras, expulso de Atenas em decorrência de um processo parecido com o seu.
Mas é preciso frisar que o propósito, como o próprio Sócrates repete, não era matá-lo, e sim afastá-lo de Atenas, e se isso não ocorreu deveu-se à demasiada teimosia do próprio Sócrates, que em vez de escolher o exílio preferiu a proposta de uma multa irrisória, vindo a ser, por conseguinte, condenado.
No que concerne à condenação por motivos religiosos, da mesma maneira que se dá com condenações por motivos políticos, o texto da sentença preocupa-se muito mais em esconder do que apresentar as verdadeiras causas. Tanto isso é verdade que, em sua defesa, vemos o réu inverter a ordem das acusações e colocar em primeiro lugar a última imputação: corromper os jovens.
Desde a época de Sócrates, afirmara-se o culto patriarcal, em que Zeus era o deus-pai, o líder máximo. Se a acusação tivesse se dado em épocas mais antigas, poderíamos presumir que Sócrates teria adotado a defesa do culto da deusa, isto é, um movimento reacionário em termos de culto.
Coloquemos a questão com mais clareza: as lendas referem a revolta patriarcal contra o matriarcado.
A Tripla Deusa, venerada como Réia, esposa de Cronos, em seus três aspectos: lua crescente, lua cheia a lua minguante, era a suprema deusa e gerava uma vez por ano a Dionisos – Zagreus, seu filho, que era sempre devorado pelo tempo.
Dessa maneira, as múltiplas facetas da deusa prevaleciam, constituindo as sacerdotisas os verdadeiros líderes das povoações e os homens, seus instrumentos de fertilização e prazer, executando os trabalhos mais necessários à sobrevivência e à defesa.
Numerosas revoltas começaram a eclodir com a chegada de contínuas levas de dórios, minianos e jônios, em cujas culturas o patriarcalismo era arraigado, que acabaram por fomentar a rebelião de Zagreus contra seu pai e mãe. Zagreus torna-se Zeus, o Deus-Agnes, ou o Agnos-Deus, que pode significar tanto o deus desconhecido quanto o deus-carneiro; Réia vem a ser adorada como Hera, e seus aspectos: marinho, lunar e noturno, como Anfitrite, Ártemis e Cérbero. Anfitrite é esposa de Posêidon, um dos aspectos de Zeus; Ártemis é filha de Zeus, e permanece virgem; quanto a Cérbero, representa Hécate, sendo fiel guardião dos domínios de Hades, outro aspecto de Zeus, seu culto tendo sido de novo extinto durante o período de estabelecimento do culto olímpico.
Nessa fase seria de fato correto crer que alguém sofresse um processo por questões religiosas, mas à época de Sócrates tudo isso já se encontrava devidamente solidificado, e a argumentação de Burnet, em seu comentário à Apologia, revela-se, portanto, bem pouco confiável, quando afirma "que esses novos deuses da cosmologia jônica eram uma antiga história e que poderia ser uma violação da anistia colocá-los de novo à luz do dia".
Portanto, considerando-se a anistia garantida até mesmo pelo próprio Ânito, que juntamente com Trasíbulo fora seu principal defensor, não era possível levar em conta as culpas passadas de Sócrates para condená-lo, isso presumindo que existisse alguma, e era necessário arranjar o pretexto para executá-lo.
Era todo o ensinamento socrático que se tornava perigoso, e não os novos fatos. O que significava aquela sabedoria, proclamada superior até mesmo pelo oráculo, que consistia em saber que não se sabe?
Qual a postura dos políticos diante disso? Que direitos seriam mais opostos aos da democracia do que aqueles originados da experiência e da competência, e a superioridade da inteligência sobre os direitos da assembléia popular e soberana?
É isso que causou a condenação de Sócrates, a exigência de que o piloto do barco conheça seu ofício, isto é, a superioridade do saber sobre a aclamação do povo.
Ademais, é necessário recordar que Sócrates manteve relações com os Trinta Tiranos: estes não lhe teriam ordenado a prisão de Leon de Salamina se não o considerassem um deles; Crísias, o mais feroz dos Tiranos, havia sido seu discípulo, e também Alcebíades, que voltara a ser assunto pela recente inclusão de seu nome entre os envolvidos na profanação dos Mistérios. E mais: Sócrates menciona a seu favor sua participação no caso do exílio de Querofonte, porém, assim, insiste no fato de que, durante o mandato dos Trinta, Querofonte foi obrigado a se exilar, enquanto Sócrates pôde permanecer.
Some-se a isto que Sócrates jamais desejou exercer nenhuma magistratura, nem participar de alguma forma do governo de sua cidade, embora não seja verdade que permanecesse fora do âmbito do governo, pois com freqüência era visto discutindo em público; e não se pode afirmar, pelos testemunhos que possuímos, que fosse singularmente prudente ou diplomático em sua maneira de discutir.
As mais importantes orientações da vida eram subvertidas por seu orgulho de ter consciência da sua ignorância, e os jovens, de fato, iriam acabar desrespeitando qualquer autoridade que não se identificasse com a inteligência e a sabedoria, provocando ainda o desapreço por tudo que não buscasse a sabedoria, desprezando a economia doméstica e a riqueza.
"A seguinte acusação escreve e jura Meleto, filho de Meleto, do povoado de Piteo, contra Sócrates, filho de Sofronisco, do povoado de Alópece. Sócrates é culpado de não aceitar os deuses que são reconhecidos pelo Estado, de introduzir novos cultos, e, também, é culpado de corromper a juventude. Pena: a morte"
A cidade de Atenas não podia mover ações, mas um cidadão podia, assumindo, porém, total responsabilidade, se a acusação não fosse considerada procedente pelo júri. O acusador era Meleto, mas não só ele; também Ânito e Lícon, com os mesmos direitos à palavra no decorrer do processo. Meleto era o acusador oficial, porém nada exigia que o acusador oficial fosse o mais respeitável, hábil ou temível, mas somente aquele que assinava a acusação.
E, neste caso, a influência exercida por Ânito constituiu o elemento mais respeitável no desfecho do processo, que foi por ele zelosamente preparado nas reuniões dos diversos cidadãos, sustentando-o com a autoridade de seu nome.
No Eutífron, vemos que Sócrates, ao se aproximar do Pórtico do Rei, onde fora afixada a acusação por Meleto, ao ser inquirido pelo adivinho Eutífron a respeito de quem era aquele que o acusava, respondeu: "Sei bem pouco a respeito dele, talvez porque seja um homem jovem e desconhecido. Acredito chamar-se Meleto, do povoado de Piteo, de cabelos lisos, barba rala e nariz em forma de bico de pássaro".
A respeito de saber com exatidão quem era esse Meleto, existem muitas dúvidas, sendo uma delas se se tratava do personagem citado por Aristófanes. Mas não há elementos em que basear essa suposição, pois um jovem poeta de 399 a.C. pouco provavelmente chamaria a atenção de Aristófanes em 405 a.C., além de considerar que Sócrates insiste no fato de que Meleto é desconhecido.
Julgar tratar-se do Meleto que, em 399 a.C., chegou a tomar parte da acusação contra Andócides, no célebre processo por causa da mutilação da estátua de Hermes e da profanação dos Mistérios, seria muito conveniente, por haver sido essa também uma acusação de impiedade. Contudo, existe outro obstáculo, de acordo com a própria informação de Andócides: esse Meleto foi um dos que, em 404 a.C., por ordem dos Trinta Tiranos, se prestaram a deter Leon de Salamina. À parte o problema da mudança de lado - de partidário dos Trinta Tiranos tornar-se aliado de Ânito, que derrotara e expulsara esses mesmos Trinta Tiranos –, sobra a dificuldade de explicar por que motivo Sócrates, que conforme ele mesmo afirma na Apologia, juntamente com outros quatro homens recebera a ordem de deter a Leon de Salamina, tendo sido o único a recusar-se a obedecer, não disse que Meleto era um desses homens.
Exceto se reputarmos que essa defesa não seja de fato de Sócrates, e sim escrita por Platão, que se vale do nome de Meleto, já então tido como um fanático religioso, a fim de engrandecer o mestre desaparecido.
Desse modo, podemos considerar Meleto de Sócrates o mesmo Meleto de Andócides, assim solucionando o problema que tanta discussão tem provocado, embora, logicamente, fique apenas no campo da suposição, já que nada corrobora realmente esta pretensão.
O pouco que conhecemos ou podemos presumir a respeito de Lícon é que pouca importância e autoridade teve no decorrer do processo, com seu nome sendo citado sempre com evidente desapreço.
Ânito, o mais importante dos acusadores, é aquele que, não resta dúvida, dava a impressão de conhecer Sócrates, que a ele alude como se Meleto fosse seu subordinado, como se deste tivesse se originado a idéia da pena de morte para persuadir Sócrates a abandonar a cidade antes que o processo tivesse seguimento. Ânito era filho de Antemione, comerciante de couro, nascera por volta de – 450 a.C. e já havia exercido importantes cargos e magistraturas, sendo estratego em 410 a.C. Após ter sido enviado ao exílio pelos Trinta Tiranos, juntamente com Trasíbulo e outros, regressou de File com estes e tomou parte da expedição armada contra o governo dos tiranos. Depois da restauração do regime democrático, tornou-se um dos mais eminentes cidadãos de Atenas.
Ânito manteve relação com Sócrates, segundo comprova sua atuação no Mênon, onde manifesta uma ameaça velada a este: "Afigura-se-me, ó Sócrates, que com muita facilidade te dedicas à maledicência, e eu te aconselho, se quiseres me ouvir, que tenhas cuidado".
A opinião de Platão a esse respeito é bem clara: não foi por razões religiosas que Sócrates recebeu a condenação, mas sim por questões evidentemente políticas.
A bem da verdade, Sócrates dera, mediante palavras e atos, patente mostra de sua obstinada repulsa aos governos democráticos.
Portanto, nessa época de instalação do regime democrático, convinha afastar de Atenas o mestre de Crísias, o homem que sempre se recordava de haver sido discípulo de Arquesilau, o qual, por sua vez, fora discípulo de Anaxágoras, expulso de Atenas em decorrência de um processo parecido com o seu.
Mas é preciso frisar que o propósito, como o próprio Sócrates repete, não era matá-lo, e sim afastá-lo de Atenas, e se isso não ocorreu deveu-se à demasiada teimosia do próprio Sócrates, que em vez de escolher o exílio preferiu a proposta de uma multa irrisória, vindo a ser, por conseguinte, condenado.
No que concerne à condenação por motivos religiosos, da mesma maneira que se dá com condenações por motivos políticos, o texto da sentença preocupa-se muito mais em esconder do que apresentar as verdadeiras causas. Tanto isso é verdade que, em sua defesa, vemos o réu inverter a ordem das acusações e colocar em primeiro lugar a última imputação: corromper os jovens.
Desde a época de Sócrates, afirmara-se o culto patriarcal, em que Zeus era o deus-pai, o líder máximo. Se a acusação tivesse se dado em épocas mais antigas, poderíamos presumir que Sócrates teria adotado a defesa do culto da deusa, isto é, um movimento reacionário em termos de culto.
Coloquemos a questão com mais clareza: as lendas referem a revolta patriarcal contra o matriarcado.
A Tripla Deusa, venerada como Réia, esposa de Cronos, em seus três aspectos: lua crescente, lua cheia a lua minguante, era a suprema deusa e gerava uma vez por ano a Dionisos – Zagreus, seu filho, que era sempre devorado pelo tempo.
Dessa maneira, as múltiplas facetas da deusa prevaleciam, constituindo as sacerdotisas os verdadeiros líderes das povoações e os homens, seus instrumentos de fertilização e prazer, executando os trabalhos mais necessários à sobrevivência e à defesa.
Numerosas revoltas começaram a eclodir com a chegada de contínuas levas de dórios, minianos e jônios, em cujas culturas o patriarcalismo era arraigado, que acabaram por fomentar a rebelião de Zagreus contra seu pai e mãe. Zagreus torna-se Zeus, o Deus-Agnes, ou o Agnos-Deus, que pode significar tanto o deus desconhecido quanto o deus-carneiro; Réia vem a ser adorada como Hera, e seus aspectos: marinho, lunar e noturno, como Anfitrite, Ártemis e Cérbero. Anfitrite é esposa de Posêidon, um dos aspectos de Zeus; Ártemis é filha de Zeus, e permanece virgem; quanto a Cérbero, representa Hécate, sendo fiel guardião dos domínios de Hades, outro aspecto de Zeus, seu culto tendo sido de novo extinto durante o período de estabelecimento do culto olímpico.
Nessa fase seria de fato correto crer que alguém sofresse um processo por questões religiosas, mas à época de Sócrates tudo isso já se encontrava devidamente solidificado, e a argumentação de Burnet, em seu comentário à Apologia, revela-se, portanto, bem pouco confiável, quando afirma "que esses novos deuses da cosmologia jônica eram uma antiga história e que poderia ser uma violação da anistia colocá-los de novo à luz do dia".
Portanto, considerando-se a anistia garantida até mesmo pelo próprio Ânito, que juntamente com Trasíbulo fora seu principal defensor, não era possível levar em conta as culpas passadas de Sócrates para condená-lo, isso presumindo que existisse alguma, e era necessário arranjar o pretexto para executá-lo.
Era todo o ensinamento socrático que se tornava perigoso, e não os novos fatos. O que significava aquela sabedoria, proclamada superior até mesmo pelo oráculo, que consistia em saber que não se sabe?
Qual a postura dos políticos diante disso? Que direitos seriam mais opostos aos da democracia do que aqueles originados da experiência e da competência, e a superioridade da inteligência sobre os direitos da assembléia popular e soberana?
É isso que causou a condenação de Sócrates, a exigência de que o piloto do barco conheça seu ofício, isto é, a superioridade do saber sobre a aclamação do povo.
Ademais, é necessário recordar que Sócrates manteve relações com os Trinta Tiranos: estes não lhe teriam ordenado a prisão de Leon de Salamina se não o considerassem um deles; Crísias, o mais feroz dos Tiranos, havia sido seu discípulo, e também Alcebíades, que voltara a ser assunto pela recente inclusão de seu nome entre os envolvidos na profanação dos Mistérios. E mais: Sócrates menciona a seu favor sua participação no caso do exílio de Querofonte, porém, assim, insiste no fato de que, durante o mandato dos Trinta, Querofonte foi obrigado a se exilar, enquanto Sócrates pôde permanecer.
Some-se a isto que Sócrates jamais desejou exercer nenhuma magistratura, nem participar de alguma forma do governo de sua cidade, embora não seja verdade que permanecesse fora do âmbito do governo, pois com freqüência era visto discutindo em público; e não se pode afirmar, pelos testemunhos que possuímos, que fosse singularmente prudente ou diplomático em sua maneira de discutir.
As mais importantes orientações da vida eram subvertidas por seu orgulho de ter consciência da sua ignorância, e os jovens, de fato, iriam acabar desrespeitando qualquer autoridade que não se identificasse com a inteligência e a sabedoria, provocando ainda o desapreço por tudo que não buscasse a sabedoria, desprezando a economia doméstica e a riqueza.
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