VOCÊ NÃO ESTÁ NA PÁGINA PRINCIPAL. CLIQUE AQUI PARA RETORNAR



domingo, julho 23, 2006

O Príncipe - Maquiavel - Capítulos III e IV

CAPÍTULO III

DOS PRINCIPADOS MISTOS

Mas é nos principados novos que residem as dificuldades. Em primeiro lugar, se não é totalmente novo mas sim como membro anexado a um Estado hereditário (que, em seu conjunto, pode chamar-se "quase misto"), as suas variações resultam principalmente de uma natural dificuldade inerente a todos os principados novos: é que os homens, com satisfação, mudam de senhor pensando melhorar e esta crença faz com que lancem mão de armas contra o senhor atual, no que se enganam porque, pela própria experiência, percebem mais tarde ter piorado a situação. Isso depende de uma outra necessidade natural e ordinária, a qual faz com que o novo príncipe sempre precise ofender os novos súditos com seus soldados e com outras infinitas injúrias que se lançam sobre a recente conquista; dessa forma, tens como inimigos todos aqueles que ofendeste com a ocupação daquele principado e não podes manter como amigos os que te puseram ali, por não poderes satisfazê-los pela forma por que tinham imaginado, nem aplicar-lhes corretivos violentos uma vez que estás a eles obrigado; porque sempre, mesmo que fortíssimo em exércitos, tem-se necessidade do apoio dos habitantes para penetrar numa província. Foi por essas razões que Luís XII, rei de França, ocupou Milão rapidamente e logo depois o perdeu, para tanto bastando inicialmente as forças de Ludovico, porque aquelas populações que lhe haviam aberto as portas, reconhecendo o erro de seu pensar anterior e descrentes daquele bem-estar futuro que haviam imaginado, não mais podiam suportar os dissabores ocasionados pelo novo príncipe.

Ë bem verdade que, reconquistando posteriormente as regiões rebeladas, mais dificilmente se as perdem, eis que o senhor, em razão da rebelião, é menos vacilante em assegurar-se da punição daqueles que lhe faltaram com a lealdade, em investigar os suspeitos e em reparar os pontos mais fracos. Assim sendo, se para que a França viesse a perder Milão pela primeira vez foi suficiente um Duque Ludovico que fizesse motins nos seus limites, já para perdê-lo pela segunda vez foi preciso que tivesse contra si o mundo todo e que seus exércitos fossem desbaratados ou expulsos da Itália, o que resultou das razões logo acima apontadas. Não obstante, tanto na primeira como na segunda vez, Milão foi-lhe tomado.

As razões gerais da primeira foram expostas; resta agora falar sobre as da segunda vez e ver de que remédios dispunha a França e de que meios poderá valer-se quem venha a encontrar-se em circunstâncias tais, para poder manter-se na posse da conquista melhor do que o fez esse país.

Digo, consequentemente, que estes Estados conquistados e anexados a um Estado antigo, ou são da mesma província e da mesma língua, ou não o são: Quando o sejam, é sumamente fácil mantê-los sujeitos, máxime quando não estejam habituados a viver em liberdade, e para dominá-los seguramente será bastante ter-se extinguido a estirpe do príncipe que os governava, porque nas outras coisas, conservando-se suas velhas condições e não existindo alteração de costumes, os homens passam a viver tranqüilamente, como se viu ter ocorrido com a Borgonha, a Bretanha, a Gasconha e a Normandia que por tanto tempo estiveram com a França, isto a despeito da relativa diversidade de línguas, mas graças à semelhança de costumes facilmente se acomodaram entre eles. E quem conquista, querendo conservá-los, deve adotar duas medidas: a primeira, fazer com que a linhagem do antigo príncipe seja extinta; a outra, aquela de não alterar nem as suas leis nem os impostos; por tal forma, dentro de mui curto lapso de tempo, o território conquistado passa a constituir um corpo todo com o principado antigo.

Mas, quando se conquistam territórios numa província com língua, costumes e leis diferentes, aqui surgem as dificuldades e é necessário haver muito boa sorte e habilidade para mantê-los. E um dos maiores e mais eficientes remédios seria aquele do conquistador ir habitá-los. Isto tornaria mais segura e mais duradoura a posse adquirida, como ocorreu com o Turco da Grécia, que a despeito de ter observado todas as leis locais, não teria conservado esse território se para aí não tivesse se transferido. Isso porque, estando no local, pode-se ver nascerem as desordens e, rapidamente, podem ser elas reprimidas; aí não estando, delas somente se tem notícia quando já alastradas e não mais passíveis de solução. Além disso, a província conquistada não é saqueada pelos lugar-tenentes; os súditos ficam satisfeitos porque o recurso ao príncipe se torna mais fácil, donde têm mais razões para amá-lo, querendo ser bons, e para temê-lo, caso queiram agir por forma diversa. Quem do exterior desejar assaltar aquele Estado, por ele terá maior respeito; donde, habitando-o, o príncipe somente com muita dificuldade poderá vir a perdê-lo.

Outro remédio eficaz é instalar colônias num ou dois pontos, que sejam como grilhões postos àquele Estado, eis que é necessário ou fazer tal ou aí manter muita tropa. Com as colônias não se despende muito e, sem grande custo, podem ser instaladas e mantidas, sendo que sua criação prejudica somente àqueles de quem se tomam os campos e as casas para cedê-los aos novos habitantes, os quais constituem uma parcela mínima do Estado conquistado. Ainda, os assim prejudicados, ficando dispersos e pobres, não podem causar dano algum, enquanto que os não lesados ficam à parte, amedrontados, devendo aquietar-se ao pensamento de que não poderão errar para que a eles não ocorra o mesmo que aconteceu àqueles que foram espoliados. Concluo dizendo que estas colônias não são onerosas, são mais fiéis, ofendem menos e os prejudicados não podem causar mal, tornados pobres e dispersos como já foi dito. Por onde se depreende que os homens devem ser acarinhados ou eliminados, pois se se vingam das pequenas ofensas, das graves não podem fazê-lo; daí decorre que a ofensa que se faz ao homem deve ser tal que não se possa temer vingança. Mas mantendo, em lugar de colônias, forças militares, gasta-se muito mais, absorvida toda a arrecadação daquele Estado na guarda aí destacada; dessa forma, a conquista transforma-se em perda e ofende muito mais por que danifica todo aquele país com as mudanças do alojamento do exército, incômodo esse que todos sentem e que transforma cada habitante em inimigo: e são inimigos que podem causar dano ao conquistador, pois, vencidos, ficam em sua própria casa. Sob qualquer ponto de vista essa guarda armada é inútil, ao passo que a criação de colônias é útil.

Deve, ainda, quem se encontre à frente de uma província diferente, como foi dito, tornar-se chefe e defensor dos menos fortes, tratando de enfraquecer os poderosos e cuidando que em hipótese alguma aí penetre um forasteiro tão forte quanto ele. E sempre surgirá quem seja chamado por aqueles que na província se sintam descontentes, seja por excessiva ambição, seja por medo, como viu-se terem os etólios introduzido na Grécia os romanos que, aliás, em todas as outras províncias que conquistaram, fizeram-no auxiliados pelos respectivos habitantes. E a ordem das coisas é que, tão logo um estrangeiro poderoso penetre numa província, todos aqueles que nela são mais fracos a ele dêem adesão, movidos pela inveja contra quem se tornou poderoso sobre eles; tanto assim é que em relação a estes não se torna necessário grande trabalho para obter seu apoio, pois logo todos eles, voluntariamente, formam bloco com o seu Estado conquistado. Apenas deve haver o cuidado de não permitir adquiram eles muito poder e muita autoridade, podendo o conquistador, facilmente, com suas forças e com o apoio dos mesmos, abater aqueles que ainda estejam fortes, para tornar-se senhor absoluto daquela província. E quem não encaminhar satisfatoriamente esta parte, cedo perderá a sua conquista e, enquanto puder conservá-la, terá infinitos aborrecimentos e dificuldades.

Os romanos, nas províncias de que se assenhorearam, observaram bem estes pontos: fundaram colônias, conquistaram a amizade dos menos prestigiosos, sem lhes aumentar o poder, abateram os mais fortes e não deixaram que os estrangeiros poderosos adquirissem conceito. Quero tomar como exemplo apenas a província da Grécia. Os aqueus e os etólios tornaram-se amigos dos romanos; foi abatido o reino dos macedônios e daí foi expulso Antíoco; mas nem os méritos dos aqueus e dos etólios lhes asseguraram permissão para conquistar algum Estado, nem a persuasão de Felipe logrou fazer com que os romanos se tornassem seus amigos e não o diminuíssem, nem o poder de Antíoco conseguiu fazer com que os mesmos o autorizassem a manter seu domínio naquela província. Isso tudo ocorreu porque os romanos fizeram nesses casos aquilo que todo príncipe inteligente deve fazer: não somente vigiar e ter cuidado com as desordens presentes, como também com as futuras, evitando-as com toda a cautela porque, previstas a tempo, facilmente se lhes pode opor corretivo; mas, esperando que se avizinhem, o remédio não chega a tempo, e o mal já então se tornou incurável. Ocorre aqui como no caso do tuberculoso, segundo os médicos: no princípio é fácil a cura e difícil o diagnóstico, mas com o decorrer do tempo, se a enfermidade não foi conhecida nem tratada, torna-se fácil o diagnóstico e difícil a cura. Assim também ocorre nos assuntos do Estado porque, conhecendo com antecedência os males que o atingem (o que não é dado senão a um homem prudente), a cura é rápida; mas quando, por não se os ter conhecido logo, vêm eles a crescer de modo a se tornarem do conhecimento de todos, não mais existe remédio.

Contudo, os romanos, prevendo as perturbações, sempre as tolheram e jamais, para fugir à guerra, permitiram que as mesmas seguissem seu curso, pois sabiam que a guerra não se evita mas apenas se adia em benefício dos outros; por isso mesmo, promoveram a guerra contra Felipe e Antíoco na Grécia, para evitar terem de fazê-la na Itália e, no entanto, podiam ter evitado a luta naquele momento, se o quisessem. Nem em momento algum lhes agradou aquilo que todos os dias está nos lábios dos entendidos de nosso tempo, o desejo de gozar do benefício da contemporização, mas sim apenas aquilo que resultava de sua própria virtude e prudência: na verdade o tempo lança à frente todas as coisas e pode transformar o bem em mal e o mal em bem.

Mas voltemos à França e examinemos se ela fez alguma das coisas que expomos, falando eu de Luís e não de Carlos porque foi daquele que, por ter mantido mais prolongado domínio na Itália, melhor se viram os progressos: e vereis como ele fez o contrário que se deve fazer para conservar um Estado numa província diferente.

O Rei Luís foi conduzido à Itália pela ambição dos venezianos que, por tal meio, quiseram ganhar o Estado da Lombardia, Não desejo censurar o partido tomado pelo rei; porque, querendo começar a pôr um pé na Itália e não tendo amigos nesta província, sendo-lhe, ao contrário, fechadas todas as portas em razão do comportamento do Rei Carlos, foi obrigado a servir-se daquelas amizades com que podia contar: e ter-lhe-ia resultado bem escolhido esse partido, se nos outros manejos não tivesse cometido erro algum. Conquistada, pois, a Lombardia, o rei readquiriu prontamente aquela reputação que Carlos perdera: Gênova cedeu; os florentinos tornaram-se seus amigos; o marquês de Mantua, o duque de Ferrara, Bentivoglio, a senhora de Forli, o senhor de Faenza, de Pesaro, de Rimini, de Camerino, de Piombino, os Luqueses, os Pisanos e os Sieneses, todos foram ao seu encontro para tornarem-se seus amigos. Os venezianos puderam considerar então a temeridade da resolução que haviam adotado, pois que, para conquistar dois tratos de terra na Lombardia, fizeram o rei tornar-se senhor de dois terços da Itália.

Considere-se agora com quanta facilidade podia o rei manter a sua reputação na Itália se, observadas as normas já referidas, tivesse conservado seguros e defendidos todos aqueles seus amigos que, por serem em grande número, fracos e medrosos uns em relação à Igreja os outros face aos venezianos, precisavam sempre estar com ele; por meio deles poderia, facilmente, ter-se assegurado contra os que ainda se conservavam fortes.

Mas ele, apenas chegado a Milão, fez o contrário, dando auxilio ao papa Alexandre para que ocupasse a Romanha. Nem percebeu que com essa deliberação enfraquecia a si próprio, afastando os amigos e aqueles que se lhe tinham lançado aos braços, enquanto engrandecia a Igreja acrescentando ao poder espiritual, que lhe dá tanta autoridade, tamanha força temporal. Cometido um primeiro erro, foi compelido a seguir praticando outros até que, para pôr fim à ambição de Alexandre e evitar que este se tornasse senhor da Toscana, teve de vir pessoalmente à Itália. Não lhe bastou ter tornado grande a Igreja e perder os amigos; por querer o reino de Nápoles, dividiu-o com o rei da Espanha; sendo primeiro o árbitro da Itália, aí colocou um companheiro para que os ambiciosos daquela província e os descontentes com ele mesmo tivessem onde recorrer e, em vez de deixar naquele reino um soberano a ele sujeito, tirou-o para, em seu lugar, colocar um outro que pudesse expulsá-lo dali.

É coisa muito natural e comum o desejo de conquistar e, sempre, quando os homens podem fazê-lo, serão louvados ou, pelo menos, não serão censurados; mas quando não têm possibilidade e querem fazê-lo de qualquer maneira, aqui está o erro e, consequentemente, a censura. Se a França, pois, podia assaltar Nápoles com suas forças, devia fazê-lo; se não podia, não devia dividir esse reino. E se a divisão que fez com os venezianas sobre a Lombardia mereceu desculpa por ter com ela firmado pé na Itália, aquela merece censura em razão de não ser justificada por essa necessidade.

Tinha, pois, Luís, cometido estes cinco erros: eliminou os menos fortes; aumentou na Itália o prestígio de um poderoso; aí colocou um estrangeiro poderosíssimo; não veio habitar no país; não instalou colônias.

Estes erros, contudo, poderiam não ter causado dano enquanto vivo ele fosse, se não houvesse sido cometido o sexto erro, tomar os territórios aos venezianos. Na verdade, se não tivesse tornado grande a Igreja nem introduzido a Espanha na Itália, seria bem razoável e necessário enfraquecê-los; mas, tomados que foram aqueles partidos, nunca deveriam consentir na ruína dos mesmos, pois, sendo poderosos, teriam sempre mantido aquelas à distância da Lombardia, e isso porque os venezianos jamais iriam consentir em qualquer manobra contra esse Estado, a menos que eles se tornassem os senhores, da mesma forma que os outros não iriam querer tomá-lo à França para dá-lo aos venezianos, ao mesmo tempo que lhes faltava coragem para entrar em luta com estes e com a França. E se alguém dissesse: o Rei Luís cedeu a Romanha a Alexandre e o Reino à Espanha para fugir a uma guerra - respondo com as razões já anteriormente expostas de que - nunca se deve deixar prosseguir uma crise para escapar a uma guerra, mesmo porque dela não se foge mas apenas se adia para desvantagem própria. E se alguns outros alegassem a palavra que o rei havia dado ao Papa, qual a de realizar para ele aquela conquista em troca da dissolução de seu casamento e do chapéu cardinalício para o arcebispo de Ruão - respondo com o que mais adiante se dirá acerca da palavra dos príncipes e de como se a deve respeitar.

Perdeu, pois, o Rei Luís a Lombardia por não ter respeitado nenhum dos princípios observados por outros que dominaram províncias e quiseram conservá-las. Não há aqui milagre algum, mas é sim muito comum e razoável. E deste assunto falei em Nantes ao arcebispo de Ruão, quando Valentino, assim popularmente chamado César Bórgia, filho do Papa Alexandre, ocupava a Romanha: porque, dizendo-me o cardeal de Ruão que os italianos não entendiam de guerra, retruquei-lhe que os franceses não entendiam do Estado, pois que, se de tal compreendessem, não teriam deixado que a Igreja alcançasse tanta grandeza. E por experiência viu-se que a grandeza da Igreja e da Espanha na Itália foi causada pela França, e a ruína desta foi acarretada por aquelas.

Disso se extrai uma regra geral que nunca ou raramente falha: quem é causa do poderio de alguém arruina-se, por que esse poder resulta ou da astúcia ou da força e ambas são suspeitas para aquele que se tornou poderoso.



CAPÍTULO IV

POR QUE O REINO DE DARIO, OCUPADO POR ALEXANDRE, NÃO SE REBELOU CONTRA SEUS SUCESSORES APÓS A MORTE DESTE

Consideradas as dificuldades que devem ser enfrentadas para a conservação de um Estado recém-conquistado, alguém poderia ficar pasmo ante o fato de que, tendo se tornado senhor da Ásia em poucos anos, não apenas havia terminado sua ocupação Alexandre Magno veio a morrer e, a despeito de parecer razoável que todo aquele Estado devesse rebelar-se, seus sucessores o conservaram e para tanto não encontraram outra dificuldade senão aquela que, por ambição pessoal, nasceu entre eles mesmos. - Argumento: os principados de que se conserva memória, têm sido governados de duas formas diversas: ou por um príncipe, sendo todos os demais servos que, como ministros por graça e concessão sua, ajudam a governar o Estado, ou por um príncipe e por barões, os quais, não por graça do senhor mas por antigüidade de sangue, têm aquele grau de ministros. Estes barões têm Estados e súditos próprios que os reconhecem por senhores e a eles dedicam natural afeição. Os Estados que são governados por um príncipe e servos, têm aquele com maior autoridade, porque em toda a sua província não existe alguém reconhecido como chefe senão ele, e se os súditos obedecem a algum outro, fazem-no em razão de sua posição de ministro e oficial, não lhe dedicando o menor amor.

Os exemplos dessas duas espécies de governo são, nos nossos tempos, o Turco e o rei de França. Toda a monarquia do Turco é dirigida por um senhor: os outros são seus servos; dividindo o seu reino em sandjaks, para aí manda diversos administradores e os muda e varia de acordo com sua própria vontade. Mas o rei de França está em meio a uma multidão de antigos senhores que, nessa qualidade, são reconhecidos pelos seus súditos e por eles amados: têm as suas preeminências e não pode o rei privá-los das mesmas sem perigo para si próprio. Quem tiver em mira, pois, um e outro desses governos, encontrará dificuldades para conquistar o Estado Turco, mas, vencido que seja este, encontrará grande facilidade para conservá-lo, Ao contrário, encontrar-se-á em todos os sentidos maior facilidade para ocupar o Estado de França, mas grande dificuldade para mantê-lo.

As razões da dificuldade em ocupar o reino do Turco decorrem de não poder o atacante ser chamado por príncipes daquele reino, nem esperar, com a rebelião dos que rodeiam o soberano, poder ter facilitada a sua empresa: é o que resulta das razões referidas. Porque, sendo todos escravos e obrigados, são mais dificilmente corruptíveis e, quando fossem subornados, pouco de útil poder-se-ia esperar, visto não serem eles capazes de arrastar o povo atrás de si, pelos motivos já mencionados. Logo, se alguém assaltar o Estado Turco, deve pensar que irá encontrá-lo todo unido, convindo contar mais com suas próprias forças que com as desordens dos outros. Mas, vencido que seja e uma vez desbaratado em batalha campal de modo que não possa refazer os exércitos, não se deve recear outra coisa senão a dinastia do príncipe; uma vez extinta esta, ninguém mais resta que deva ser temido, já que os demais não gozam de prestígio junto ao povo; e como o vencedor deste nada podia esperar antes da vitória, depois dela não deve receá-lo.

O contrário ocorre nos reinos como o de França, por que com facilidade podes invadi-lo em obtendo o apoio de algum barão do reino, pois que sempre se encontram descontentes e os que desejam fazer inovações. Estes, pelas razões referidas, podem abrir o acesso àquele Estado e facilitar a vitória. Esta, depois, se desejares manter-te, arrasta atrás de si infinitas dificuldades, seja com aqueles que te ajudaram, seja com os que oprimiste. Não é bastante extinguir a estirpe do príncipe, pois permanecem aqueles senhores que se tornam chefes das novas revoluções e, não podendo nem contentá-los nem exterminá-los, perde aquele Estado tão logo surja a oportunidade.

Ora, se for considerado de que natureza era o governo de Dario, se o encontrará semelhante ao reino do Turco. Para Alexandre foi necessário primeiro encurralá-lo e desbaratá-lo em batalha campal sendo que, depois da vitória, estando morto Dario, aquele Estado tornou-se seguro para Alexandre pelas razões acima expostas. Seus sucessores, se tivessem sido unidos, poderiam tê-lo gozado tranqüilamente, pois ali não surgiram outros tumultos que não os por eles próprios provocados. Mas quanto aos Estados organizados como o da França, é impossível possuí-los com tanta tranqüilidade. Dessa circunstância é que nasceram as freqüentes rebeliões da Espanha, da França e da Grécia contra os romanos; em decorrência do grande número de principados que havia naqueles Estados e por todo o tempo em que perdurou a sua memória, os romanos estiveram inseguros na posse daqueles domínios. Mas extinta a lembrança dos principados, com o poder e a constância de sua autoridade, os romanos tornaram-se dominadores seguros. Puderam eles, também, combatendo mais tarde em lutas internas, arrastar cada facção, para o seu lado, parte daquelas províncias, segundo a autoridade que havia adquirido junto a elas; e essas províncias, por não mais existir o sangue de seus antigos senhores, não reconheciam senão a soberania dos romanos. Consideradas, pois, todas estas coisas, ninguém se maravilhará da facilidade que Alexandre encontrou para conservar o Estado da Ásia, e das dificuldades que foram arrostadas pelos outros para manterem o conquistado, como Pirro e muitos outros. Isso não resultou da muita ou da pouca virtude do vencedor, mas sim da diversidade de forma do objeto da conquista.