GÓRGIAS - Platão - Parte 03 (do Capítulo VIII a XIII)
CAPÍTULO VIII
Sócrates — Quer parecer-me, Górgias, que explicaste suficientemente o em que consiste para ti a arte da retórica. Se bem te compreendi, afirmaste ser a retórica a mestra da persuasão, e que todo o seu esforço e exclusiva finalidade visa apenas a esse objetivo. Ou tens mas alguma coisa a acrescentar sobre o poder da retórica, além de levar a persuasão à alma dos ouvintes?
Górgias — De forma alguma, Sócrates; acho tua definição muito boa. A persuasão é, de fato, a finalidade precípua da retórica.
Sócrates — Górgias, escuta aqui. Estou convencido, podes ter certeza disso, de que se há uma pessoa que inicie um diálogo com a intenção sincera de compreender o assunto em discussão, sou eu; o mesmo afirmarei a teu respeito.
Górgias — Sócrates, a que vem isso?
Sócrates — Vou já dizer-te. O que seja propriamente essa persuasão a que te referiste, conseguida pela retórica, e a respeito de que assunto se manifeste, fica sabendo que ainda não percebo com segurança o de que se trata, muito embora suspeite o que pensas tanto de uma como de outra coisa. Mas, nem por isso deixarei de continuar a perguntar-te o que seja, no teu modo de ver, a persuasão conseguida pela retórica e sobre que objetos ela se manifesta. Por que motivo, então, uma vez que tenho essa suspeita, continuo a interrogar-te, em vez de eu mesmo expor o teu pensamento? Não é por tua causa que o faço, mas no interesse do nosso próprio argumento, para que ele avance e se nos patenteie com luz meridiana o assunto em discussão. Considera se não tenho razão de continuar a interrogar-te. Por exemplo, se te houvesse perguntado que espécie de pintor é Zêuxis e me tivesses respondido que é pintor de figuras, não me acharia com o direito de perguntar-te: que espécie de figuras, e onde se encontram?
Górgias — Perfeitamente.
Sócrates — Não será porque há também outros profissionais que pintam um sem número de figuras diferentes?
Górgias — Sim.
Sócrates — Mas, no caso de que ninguém mais as pintasse a não ser Zêuxis, tua resposta teria sido boa.
Górgias — Por que não?
Sócrates — Então fala -me também a respeito da retórica, se és de opinião que a retórica seja a única arte capaz de persuadir, ou se outras artes conseguem a mesma coisa? O que digo é o seguinte: Quem ensina seja lá o que for, persuade os outros a respeito do que ensina. Ou não?
Górgias — Sim, persuade, Sócrates; sobre isso não há a menor dúvida.
Sócrates — Se voltarmos agora para as artes a que há pouco nos referimos: não nos ensina a aritmética o que se relaciona com os números, e não faz o mesmo aritmético?
Górgias — Perfeitamente.
Sócrates — Logo, ela também nos persuade.
Górgias — Sim.
Sócrates — Nesse caso, a aritmética também é mestra da persuasão?
Górgias — Parece que sim.
Sócrates — Por conseguinte, se alguém nos perguntasse de que persuasão se trata e a respeito de que, decerto lhe responderíamos que se trata da persuasão ensina a conhecer a grandeza do par e do ímpar. Da mesma forma, com relação às artes de que falamos há pouco, poderíamos demonstrar que são mestras da persuasão, sua modalidade e a que se aplicam. Ou não?
Górgias — Exato.
Sócrates — Sendo assim, a retórica não é a única mestra da persuasão.
Górgias — É muito certo.
CAPÍTULO IX
Górgias — De forma alguma, Sócrates; acho tua definição muito boa. A persuasão é, de fato, a finalidade precípua da retórica.
Sócrates — Górgias, escuta aqui. Estou convencido, podes ter certeza disso, de que se há uma pessoa que inicie um diálogo com a intenção sincera de compreender o assunto em discussão, sou eu; o mesmo afirmarei a teu respeito.
Górgias — Sócrates, a que vem isso?
Sócrates — Vou já dizer-te. O que seja propriamente essa persuasão a que te referiste, conseguida pela retórica, e a respeito de que assunto se manifeste, fica sabendo que ainda não percebo com segurança o de que se trata, muito embora suspeite o que pensas tanto de uma como de outra coisa. Mas, nem por isso deixarei de continuar a perguntar-te o que seja, no teu modo de ver, a persuasão conseguida pela retórica e sobre que objetos ela se manifesta. Por que motivo, então, uma vez que tenho essa suspeita, continuo a interrogar-te, em vez de eu mesmo expor o teu pensamento? Não é por tua causa que o faço, mas no interesse do nosso próprio argumento, para que ele avance e se nos patenteie com luz meridiana o assunto em discussão. Considera se não tenho razão de continuar a interrogar-te. Por exemplo, se te houvesse perguntado que espécie de pintor é Zêuxis e me tivesses respondido que é pintor de figuras, não me acharia com o direito de perguntar-te: que espécie de figuras, e onde se encontram?
Górgias — Perfeitamente.
Sócrates — Não será porque há também outros profissionais que pintam um sem número de figuras diferentes?
Górgias — Sim.
Sócrates — Mas, no caso de que ninguém mais as pintasse a não ser Zêuxis, tua resposta teria sido boa.
Górgias — Por que não?
Sócrates — Então fala -me também a respeito da retórica, se és de opinião que a retórica seja a única arte capaz de persuadir, ou se outras artes conseguem a mesma coisa? O que digo é o seguinte: Quem ensina seja lá o que for, persuade os outros a respeito do que ensina. Ou não?
Górgias — Sim, persuade, Sócrates; sobre isso não há a menor dúvida.
Sócrates — Se voltarmos agora para as artes a que há pouco nos referimos: não nos ensina a aritmética o que se relaciona com os números, e não faz o mesmo aritmético?
Górgias — Perfeitamente.
Sócrates — Logo, ela também nos persuade.
Górgias — Sim.
Sócrates — Nesse caso, a aritmética também é mestra da persuasão?
Górgias — Parece que sim.
Sócrates — Por conseguinte, se alguém nos perguntasse de que persuasão se trata e a respeito de que, decerto lhe responderíamos que se trata da persuasão ensina a conhecer a grandeza do par e do ímpar. Da mesma forma, com relação às artes de que falamos há pouco, poderíamos demonstrar que são mestras da persuasão, sua modalidade e a que se aplicam. Ou não?
Górgias — Exato.
Sócrates — Sendo assim, a retórica não é a única mestra da persuasão.
Górgias — É muito certo.
CAPÍTULO IX
Sócrates — Uma vez que ela não é a única realizar esse trabalho, havendo outras que alcançam mesmo resultado, com todo o direito, depois disso, poderíamos, como o fizemos com relação ao pintor, interpelar quem apresentou aquela proposição: Que espécie de persuasão é a retórica e sobre que se manifesta? Ou não consideras lícito formular semelhante pergunta?
Górgias — Considero.
Sócrates — Então, responde a ela, Górgias, que pensas desse modo.
Górgias — A meu ver, Sócrates, essa persuasão é a que se exerce nos tribunais e demais assembléia s, como disse há pouco, e que se relaciona com o justo e o injusto.
Sócrates — Eu já desconfiava, Górgias, qual fosse a persuasão a que te referias e sobre que se manifesta. Mas, para que não venhas a admirar-te se dentro de instantes eu voltar a apresentar pergunta idêntica sobre o que parece tão claro, retomo o mesmo assunto. Pois, como disse, ao formular essas perguntas, não tenho em mira a tua pessoa, mas apenas dirigir com método a discussão, e também para que não adquiramos o sestro de antecipar os pensamentos um do outro, como se os tivéssemos adivinhado. O que é preciso é que tu mesmo desenvolvas tua idéia como melhor te parecer.
Górgias — Acho que procedes com acerto, Sócrates.
Sócrates — Então, prossigamos, e consideremos o seguinte: não dizes por vezes que alguém aprendeu alguma coisa?
Górgias — Sim.
Sócrates — E também que acreditou em algo?
Górgias — Perfeitamente.
Sócrates — E és de parecer que ter aprendido e ter crido sejam a mesma coisa que conhecimento e crença? Ou são diferentes?
Górgias — A meu ver, Sócrates, são diferentes.
Sócrates — É certo o que dizes. Tens a prova no seguinte: Se alguém te perguntasse: Górgias, há crença falsa e crença verdadeira? Responderias afirmativa mente, segundo penso.
Górgias — Sim.
Sócrates — E conhecimento, há também falso e verdadeiro?
Górgias — De forma alguma.
Sócrates — O que prova que saber e crer são diferentes.
Górgias — É certo.
Sócrates — Apesar disso, tanto os que aprendem como os que crêem ficam igualmente persuadidos.
Górgias — Exato.
Sócrates — Podemos, então, admitir duas espécies de persuasão: uma, que é a fonte da crença, sem conhecimento, e a outra só do conhecimento?
Górgias — Perfeitamente.
Sócrates — De qual dessas persuasões se vale a retórica nos tribunais e nas demais assembléias, relativamente ao justo e ao injusto? Da que é fonte de crença sem conhecimento, ou da que é fonte só de conhecimento?
Górgias — Evidentemente, Sócrates, da que dá origem à crença.
Sócrates — Então, ao que parece, a retórica é obreira da persuasão que promove a crença, não o conhecimento, relativo ao justo e ao injusto?
Górgias — Exato.
Sócrates — Sendo assim, o orador não instrui os tribunais e as demais assembléias a respeito do justo e do injusto, mas apenas lhes desperta a crença nisso. Em tão curto prazo não lhe fora possível instruir tamanha multidão sobre assunto dessa magnitude.
Górgias — Não, de fato.
CAPÍTULO X
Górgias — Considero.
Sócrates — Então, responde a ela, Górgias, que pensas desse modo.
Górgias — A meu ver, Sócrates, essa persuasão é a que se exerce nos tribunais e demais assembléia s, como disse há pouco, e que se relaciona com o justo e o injusto.
Sócrates — Eu já desconfiava, Górgias, qual fosse a persuasão a que te referias e sobre que se manifesta. Mas, para que não venhas a admirar-te se dentro de instantes eu voltar a apresentar pergunta idêntica sobre o que parece tão claro, retomo o mesmo assunto. Pois, como disse, ao formular essas perguntas, não tenho em mira a tua pessoa, mas apenas dirigir com método a discussão, e também para que não adquiramos o sestro de antecipar os pensamentos um do outro, como se os tivéssemos adivinhado. O que é preciso é que tu mesmo desenvolvas tua idéia como melhor te parecer.
Górgias — Acho que procedes com acerto, Sócrates.
Sócrates — Então, prossigamos, e consideremos o seguinte: não dizes por vezes que alguém aprendeu alguma coisa?
Górgias — Sim.
Sócrates — E também que acreditou em algo?
Górgias — Perfeitamente.
Sócrates — E és de parecer que ter aprendido e ter crido sejam a mesma coisa que conhecimento e crença? Ou são diferentes?
Górgias — A meu ver, Sócrates, são diferentes.
Sócrates — É certo o que dizes. Tens a prova no seguinte: Se alguém te perguntasse: Górgias, há crença falsa e crença verdadeira? Responderias afirmativa mente, segundo penso.
Górgias — Sim.
Sócrates — E conhecimento, há também falso e verdadeiro?
Górgias — De forma alguma.
Sócrates — O que prova que saber e crer são diferentes.
Górgias — É certo.
Sócrates — Apesar disso, tanto os que aprendem como os que crêem ficam igualmente persuadidos.
Górgias — Exato.
Sócrates — Podemos, então, admitir duas espécies de persuasão: uma, que é a fonte da crença, sem conhecimento, e a outra só do conhecimento?
Górgias — Perfeitamente.
Sócrates — De qual dessas persuasões se vale a retórica nos tribunais e nas demais assembléias, relativamente ao justo e ao injusto? Da que é fonte de crença sem conhecimento, ou da que é fonte só de conhecimento?
Górgias — Evidentemente, Sócrates, da que dá origem à crença.
Sócrates — Então, ao que parece, a retórica é obreira da persuasão que promove a crença, não o conhecimento, relativo ao justo e ao injusto?
Górgias — Exato.
Sócrates — Sendo assim, o orador não instrui os tribunais e as demais assembléias a respeito do justo e do injusto, mas apenas lhes desperta a crença nisso. Em tão curto prazo não lhe fora possível instruir tamanha multidão sobre assunto dessa magnitude.
Górgias — Não, de fato.
CAPÍTULO X
Sócrates — Vejamos, então, que diremos com acerto sobre a retórica, pois eu mesmo não chego a compreender o que falo. Quando a cidade se reúne para escolher médicos ou construtores navais, ou qualquer outra espécie de artesãos, o orador, evidentemente, não será chamado para opinar. E fora de dúvida que em cada uma dessas eleições só deverão ser escolhidos os entendidos na matéria. Nem, ainda , quando se tratar da construção de muralhas, ou de portos, ou de arsenais, porém os arquitetos. Do mesmo modo, sempre que a reunião versar sobre a escolha de um general, a tática de um exército diante do inimigo, ou um assalto a determinado ponto, só poderão opinar os estrategos, nunca os oradores. Qual é o teu modo de pensar, Górgias, a esse respeito? Uma vez que tu próprio te consideras orador e capaz de formar oradores, é óbvio que é a ti que terei de dirigir -me para informar-me a respeito de tua arte. Podes ficar certo de que com isso estou zelando também dos teus interesses. É possível haver aqui dentro quem pretenda tornar-se teu aluno, como, de fato, percebo em muitos esse desejo, mas têm acanhamento de falar-te. Assim, interrogado por mim, faz de conta que são eles que te formulam estas perguntas: Que viremos a ser, Górgias, se passarmos a estudar contigo? A respeito de que assunto ficaremos capazes de aconselhar a cidade? Apenas a respeito do justo e do injusto, ou também dos assuntos a que Sócrates se referiu há pouco? Agora procura responder a eles.
Górgias — Então, Sócrates, vou tentar revelar-te toda a força da oratória, pois tu mesmo indicaste o caminho com muita precisão. Creio que deves saber que os arsenais e as muralhas dos atenienses, e as construções do porto, em parte são devidas aos conselhos de Temístocles, em parte aos de Péricles, não a sugestões de construtores.
Sócrates — Dizem, realmente, isso de Temístocles, Górgias. Quanto a Péricles, eu mesmo o ouvi, quando nos aconselhou a respeito do levantamento do muro mediano.
Górgias — E sempre que é tomada, Sócrates, uma dessas decisões a que te referiste há pouco, terás percebido que são os oradores que aconselham nesses assuntos, saindo sempre vencedora sua maneira de pensar.
Sócrates — E, por isso mesmo que tal fato me causa admiração, Górgias, é que há muito te venho interrogando sobre a natureza da retórica. Afigura-se-me algo sobre -humano, quando a considero por esse prisma.
CAPÍTULO XI
Górgias — Então, Sócrates, vou tentar revelar-te toda a força da oratória, pois tu mesmo indicaste o caminho com muita precisão. Creio que deves saber que os arsenais e as muralhas dos atenienses, e as construções do porto, em parte são devidas aos conselhos de Temístocles, em parte aos de Péricles, não a sugestões de construtores.
Sócrates — Dizem, realmente, isso de Temístocles, Górgias. Quanto a Péricles, eu mesmo o ouvi, quando nos aconselhou a respeito do levantamento do muro mediano.
Górgias — E sempre que é tomada, Sócrates, uma dessas decisões a que te referiste há pouco, terás percebido que são os oradores que aconselham nesses assuntos, saindo sempre vencedora sua maneira de pensar.
Sócrates — E, por isso mesmo que tal fato me causa admiração, Górgias, é que há muito te venho interrogando sobre a natureza da retórica. Afigura-se-me algo sobre -humano, quando a considero por esse prisma.
CAPÍTULO XI
Górgias — Quanto mais se soubesses tudo, Sócrates;: a retórica, por assim dizer, abrange o conjunto das artes, que ela mantém sob sua autoridade. Vou apresentar-te uma prova eloqüente disso mesmo. Por várias vezes fui com meu irmão ou com outros médicos à casa de doentes que se recusavam a ingerir remédios ou a deixar-se amputar ou cauterizar; e, não conseguindo o médico persuadi-lo, eu o fazia com a ajuda exclusivamente da arte da retórica. Digo mais: se na cidade que quiseres, um médico e um orador se apresentarem a uma assembléia do povo ou a qualquer outra reunião para argumentar sobre qual dos dois deverá ser escolhido como médico, não contaria o médico com nenhuma probabilidade para ser eleito, vindo a sê-lo, se assim o desejasse, o que soubesse falar bem. E se a competição se desse com representantes de qualquer outra profissão, conseguiria fazer eleger-se o orador de preferência a qualquer outro, pois não há assunto sobre que ele não possa discorrer com maior força de persuasão diante do público do que qualquer profissional. Tal é a natureza e a força da arte da retórica! Contudo, Sócrates, a retórica precisa ser usada como as demais artes de competição; essas artes não devem ser empregadas indiferentemente contra toda a gente; o pugilista, o pancratiasta ou o lutador armado, porque em sua arte contam com a prática e se tornaram nesse terreno superiores a amigos e inimigos, não deverão, só por isso, bater nos amigos, feri-los, nem matá-los. Nem, por Zeus! No caso de haver alguém freqüentado o estádio e se tornado robusto e hábil boxador, e que depois venha a bater no pai ou na mãe, ou em qualquer parente ou amigo, não é por isso, dizia, que devemos perseguir os professores de ginástica e de esgrima, e expulsá-los da cidade. Pois estes transmitiram a outros seus conhecimentos para serem usados com justiça contra inimigos e ofensores, e apenas em defesa própria, não para atacar. Os alunos é que perverteram esses ensinamentos e empregaram mal a própria força e habilidade. Os professores não são ruins nem é má em si mesma a arte, ou responsável por tais abusos, mas, segundo penso, os que não a exercem devidamente. Idênticos argumentos valem para a arte da retórica. É fora de dúvida que o orador é capaz de falar contra todos a respeito de qualquer assunto, conseguindo, por isso mesmo, convencer as multidões melhor do que qualquer pessoa, e, para dizer tudo, no assunto que bem lhe parecer. Porém não será por isso que ele irá privar o médico de sua fama — o que lhe seria possível — nem qualquer outro profissional. Pelo contrário, deverá usar a retórica com justiça, como qualquer outro gênero de combate. Se um indivíduo que se tornou orador vier a fazer mau uso da força e da habilidade, não é seu professor, quero crer, que deverá ser perseguido e expulso da cidade. O professor transmitiu seus conhecimentos para serem bem aplicados; foi o aluno que fez mau uso deles. Esse, por conseguinte, que os aplicou mal, é que merece ser perseguido, expulso ou morto, não o professor.
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XII
Sócrates — Presumo, Górgias, que tu também já assististe a bastantes discussões, e que deves ter observado não ser fácil para os interlocutores que discorrem sobre determinado assunto defini-lo com harmonia de vistas, nem terminar a reunião com proveito para ambas as partes. Pelo contrário, havendo desacordo e incriminando um deles o opositor de ser pouco veraz ou nada claro, mostram-se agastados e atribuem o reparo a sentimento de inveja, alegando todos que o antagonista se deixa arrastar pelo amor à discussão, sem procurar elucidar o problema em debate. Alguns, até, acabam separando-se por maneira indigna, com impropérios de parte a parte, dizendo e ouvindo, a um tempo, tão pesados doestos, que os próprios assistentes se sentem envergonhados de terem dado ouvidos a tipos de tal jaez. E por que me manifesto desse modo? Porque tenho a impressão de que o que afirmaste agora não está de acordo nem concerta com o que disseste a respeito da retórica.
Receio contestar-te, para que não penses que falo menos pelo prazer de esclarecer o assunto em discussão do que por motivos pessoais. Se fores como eu, de muito bom grado te interrogarei; caso contrário, fiquemos aqui mesmo. E em que número me incluo? Entre as pessoas que têm prazer em ser refutadas, no caso de afirmarem alguma inverdade, e prazer também em refutar os outros, se não estiver certo, do mesmo modo, o que disserem, e que tanto se alegram com serem refutadas como em refutarem. Do meu lado, considero preferível ser refutado, por ser mais vantajoso ver-se alguém livre do maior dos males do que livrar dele outra pessoa. No meu modo de pensar, não há nada de tão nocivas conseqüências para o homem como admitir opinião errônea sobre o assunto com que nos ocupamos. Se me declarares que tu também és assim, poderemos conversar; mas se fores de parecer que convém ficarmos por aqui, demos por terminado o assunto e suspendamos o colóquio.
Górgias — Eu também, Sócrates, me incluo no número das pessoas a que te referiste. Mas talvez seja preciso, ao mesmo passo, levar em consideração os presentes. Muito antes de chegardes, havia eu feito para eles uma longa exposição. Remanesce, portanto, o perigo de nos alongarmos demais, se continuarmos a conversar. E sobre isso que devemos refletir, para não retermos quem porventura necessite ocupar-se com outra coisa.
CAPÍTULO XIII
Receio contestar-te, para que não penses que falo menos pelo prazer de esclarecer o assunto em discussão do que por motivos pessoais. Se fores como eu, de muito bom grado te interrogarei; caso contrário, fiquemos aqui mesmo. E em que número me incluo? Entre as pessoas que têm prazer em ser refutadas, no caso de afirmarem alguma inverdade, e prazer também em refutar os outros, se não estiver certo, do mesmo modo, o que disserem, e que tanto se alegram com serem refutadas como em refutarem. Do meu lado, considero preferível ser refutado, por ser mais vantajoso ver-se alguém livre do maior dos males do que livrar dele outra pessoa. No meu modo de pensar, não há nada de tão nocivas conseqüências para o homem como admitir opinião errônea sobre o assunto com que nos ocupamos. Se me declarares que tu também és assim, poderemos conversar; mas se fores de parecer que convém ficarmos por aqui, demos por terminado o assunto e suspendamos o colóquio.
Górgias — Eu também, Sócrates, me incluo no número das pessoas a que te referiste. Mas talvez seja preciso, ao mesmo passo, levar em consideração os presentes. Muito antes de chegardes, havia eu feito para eles uma longa exposição. Remanesce, portanto, o perigo de nos alongarmos demais, se continuarmos a conversar. E sobre isso que devemos refletir, para não retermos quem porventura necessite ocupar-se com outra coisa.
CAPÍTULO XIII
Querefonte — Vós mesmos, Górgias e Sócrates, percebeis o rumor de ansiedade dos presentes, indício seguro de que estão desejosos de continuar a ouvir-vos. No que me diz respeito, faço votos para não ser solicitado por nenhum assunto urgente que me force a deixar um diálogo deste nível e tão bem conduzido, para ocupar-me seja com o que for de mais utilidade.
Cálicles — Pelos deuses, Querefonte! Eu, também, que já assisti a muitas discussões, não sei de outra que me proporcionasse tão grande prazer como a presente. Para mim será delicioso se vos dispuserdes a conversar o dia inteiro.
Sócrates — De minha parte, Cálicles, não faço nenhuma objeção, uma vez que esteja Górgias de acordo.
Górgias — Depois disto, Sócrates, fora vergonhoso não concordar contigo, visto haver eu mesmo me prontificado a responder a qualquer pergunta que me quisessem dirigir. Se é, portanto, do agrado dos presentes, fala e formula as perguntas que entenderes.
Sócrates — Então escuta, Górgias, o que me causa admiração no que nos declaraste. E possível que estejas com a razão e que eu não tenha apreendido bem o teu pensamento. És capaz, disseste, de fazer orador de quem se dispuser a seguir tuas lições?
Górgias — Sou.
Sócrates — E de deixá-lo apto, sobre qualquer assunto, a conquistar as multidões, não por meio da instrução, mas por força da persuasão?
Górgias — Perfeitamente.
Sócrates — Chegaste mesmo a afirmar que, em matéria de saúde, o orador tem maior força convincente do que o médico.
Górgias—Sim, disse; porém diante das multidões.
Sócrates — Diante das multidões, quer dizer: diante de ignorantes? Pois é de presumir que diante de entendidos não sejas mais persuasivo do que o médico.
Górgias — Exato.
Sócrates — E se ele tem maior poder de persuasão que o médico, também terá maior do que quem sabe ?
Górgias — Perfeitamente.
Sócrates — Apesar de não ser médico, não é verdade?
Górgias — Sim.
Sócrates — Porém quem não é médico terá de ignorar o que o médico conhece.
Górgias — É evidente.
Sócrates — Nesse caso, o ignorante tem maior poder de persuasão junto de ignorantes do que o sábio, se o orador for mais convincente do que o médico. Será essa a inferência certa, ou queres outra?
Górgias — Pelo menos, neste caso, é assim mesmo.
Sócrates — E com relação às demais artes, o orador e a retórica não se encontram nas mesmas condições? Ele não terá necessidade de saber como as coisas são em si mesmas e bastará recorrer a algum artifício para parecer aos ignorantes que em tudo é mais entendido do que os sábios.
Cálicles — Pelos deuses, Querefonte! Eu, também, que já assisti a muitas discussões, não sei de outra que me proporcionasse tão grande prazer como a presente. Para mim será delicioso se vos dispuserdes a conversar o dia inteiro.
Sócrates — De minha parte, Cálicles, não faço nenhuma objeção, uma vez que esteja Górgias de acordo.
Górgias — Depois disto, Sócrates, fora vergonhoso não concordar contigo, visto haver eu mesmo me prontificado a responder a qualquer pergunta que me quisessem dirigir. Se é, portanto, do agrado dos presentes, fala e formula as perguntas que entenderes.
Sócrates — Então escuta, Górgias, o que me causa admiração no que nos declaraste. E possível que estejas com a razão e que eu não tenha apreendido bem o teu pensamento. És capaz, disseste, de fazer orador de quem se dispuser a seguir tuas lições?
Górgias — Sou.
Sócrates — E de deixá-lo apto, sobre qualquer assunto, a conquistar as multidões, não por meio da instrução, mas por força da persuasão?
Górgias — Perfeitamente.
Sócrates — Chegaste mesmo a afirmar que, em matéria de saúde, o orador tem maior força convincente do que o médico.
Górgias—Sim, disse; porém diante das multidões.
Sócrates — Diante das multidões, quer dizer: diante de ignorantes? Pois é de presumir que diante de entendidos não sejas mais persuasivo do que o médico.
Górgias — Exato.
Sócrates — E se ele tem maior poder de persuasão que o médico, também terá maior do que quem sabe ?
Górgias — Perfeitamente.
Sócrates — Apesar de não ser médico, não é verdade?
Górgias — Sim.
Sócrates — Porém quem não é médico terá de ignorar o que o médico conhece.
Górgias — É evidente.
Sócrates — Nesse caso, o ignorante tem maior poder de persuasão junto de ignorantes do que o sábio, se o orador for mais convincente do que o médico. Será essa a inferência certa, ou queres outra?
Górgias — Pelo menos, neste caso, é assim mesmo.
Sócrates — E com relação às demais artes, o orador e a retórica não se encontram nas mesmas condições? Ele não terá necessidade de saber como as coisas são em si mesmas e bastará recorrer a algum artifício para parecer aos ignorantes que em tudo é mais entendido do que os sábios.
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