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sábado, maio 27, 2006

ELOGIO À LOUCURA - Parte 02 - Erasmo de Rotterdam

Mas, porque falar ainda mais dos mortais? Percorrei todo o céu, analisai todas as divindades: ficarei satisfeita por me insultarem o belo nome que tenho a honra de trazer, se for encontrada uma só divindade que não deva exclusivamente a mim todo o seu poder. Por favor: por que Baco tem sempre, como um rapazinho, o rosto rubicundo e a longa cabeleira loura? É porque passa a vida fora de si, embriagado nos banquetes, nos bailes, nas festas, nos folguedos, recusando qualquer relação com Minerva. E tão alheio é à ambição de trazer o nome de sábio que gosta de ser venerado com escárnios e zombarias. Nem mesmo se ofende com o provérbio que lhe dá o sobrenome de Ridículo, sobrenome que mereceu porque, sentado à porta do templo, e divertindo-se os camponeses em emporcalhá-lo de mosto e de figos frescos, ele se ria de arrebentar os queixos. E quantos golpes satíricos não desferiu contra esse deus a Comédia Antiga? (28) — O estólido, o insulso deus! — exclamava-se. — Indigno de nascer no meio da rua! — Mas, dizei-me sem simulação: quem de vós, a ser esse deus, estólido e insulso, mas sempre alegre, sempre jovem, sempre feliz, sempre motivo de prazer e alegria gerais, preferiria ser aquele Júpiter simulador, terror do mundo inteiro, ou o velho Pã, que com o seu barulho espalha temores pânicos, ou o defeituoso Vulcano, todo enfumarado e cansado do estafante trabalho, ou a própria Palas, terrível pela lança e pela cabeça de Medusa, e que a todos encara com um olhar feroz?


Passemos a outras divindades. Sabeis porque Cupido se conserva sempre moço? É porque só se ocupa com bagatelas, porque está sempre brincando e rindo, sem juízo e sem reflexão alguma, correndo puerilmente de um lado para outro, sem saber ao menos o que se faz ou o que se diz. Porque a áurea Vênus mantém sempre florida a sua beleza? Não o sabeis? É porque é minha parente próxima, conservando sempre no rosto a áurea cor de meu pai Plutão. Além disso, se devemos prestar fé aos poetas e aos seus rivais os escultores, essa deusa aparece sempre com uma expressão risonha e satisfeita, sendo com razão chamada por Homero de áurea Vênus. E Flora, mãe das delícias, não era, talvez um dos principais objetos da religião dos romanos?


Das divindades dos prazeres já falámos bastante. Fazeis questão, agora, de conhecer a vida dos deuses tétricos e melancólicos? Interrogai Homero e os outros poetas, e eles poderão dizer-vos, a esse respeito, belíssimas coisas, fazendo-vos ver que os deuses são pelo menos tão loucos quanto os mortais. Júpiter deixa os seus raios, abandona as rédeas do universo, para entregar-se aos amores, o que para vós não constitui novidade. Esquece o seu sexo a altiva e inacessível Diana, para consagrar-se inteiramente à caça, o que não impede que se apaixone loucamente por seu ardoroso Endimião, a ponto de se dar, muitas vezes, ao incômodo de descer do céu, em forma de Lua, para cumulá-lo com seus favores. Mas, prefiro que as suas indecências sejam reprovadas por Momo (29), cujas censuras são eles os únicos a ouvir. Foi, pois, bem feito que os deuses, enraivecidos, o precipitassem à terra juntamente com Ates (30), porque, importuno com a sua sabedoria, ele perturbava sua felicidade. E, longe de encontrar acolhimento nos paços monárquicos, não acha uma alma que lhe preste hospitalidade em seu exílio, ao passo que a Adulação, minha companheira, ocupa sempre o primeiro lugar, essa mesma Adulação que sempre esteve de acordo com Momo como o lobo com o cordeiro.


E assim, livres da importuna censura de Momo, os deuses se entregaram com maior liberdade e alegria a toda sorte de prazeres. Com efeito, quantas palavras chistosas não pronuncia aquele Priapo de uma figa? Quanto não faz rir Mercúrio com suas ladroeiras e seus feitiços? Que não faz Vulcano (31) nos banquetes dos deuses? Põe-se a correr para chamar a atenção sobre o seu andar claudicante, brinca, diz asneiras, em suma, faz tudo para tornar o banquete alegre. E que direi daquele velho imbecil que se apaixonou por Sinele e gosta de dançar com Polifemo e com as ninfas? E daqueles sátiros semi-bodes que em suas danças praticam cem atos imodestíssimos? Pã provoca o riso dos deuses com suas insípidas cantilenas: eles o escutam com grande atenção e preferem cem vezes a sua música à das musas, principalmente quando os vapores do néctar principiam a perturbar-lhes a cabeça. Mas, porque não hei de recordar as extravagâncias que fazem as divindades depois dos banquetes, sobretudo depois de terem bebido muito? Asseguro-vos, por Deus, que, embora eu seja a Loucura e esteja, por conseguinte, habituada a toda espécie de extravagâncias, muitas vezes não consigo conter o riso. Mas, é melhor que me cale, porque, se algum deus desconfiado e prevenido me escutasse, também eu poderia ter a mesma sorte de Momo.


Mas, já é tempo de que, seguindo o exemplo de Homero, passemos, alternadamente, dos habitantes do céu aos da terra, onde nada se descobre de feliz e de alegre que não seja obra minha.


Primeiro, vós bem vedes com que providência a natureza, esta mãe produtora do gênero humano, dispôs que em coisa alguma faltasse o condimento da loucura. Segundo a definição dos estóicos o sábio é aquele que vive de acordo com as regras da razão prescrita, e o louco, ao contrário, é o que se deixa arrastar ao sabor de suas paixões. Eis porque Júpiter, com receio de que a vida do homem se tornasse triste e infeliz, achou conveniente aumentar muito mais a dose das paixões que a da razão, de forma que a diferença entre ambas é pelo menos de um para vinte e quatro. Além disso, relegou a razão para um estreito cantinho da cabeça, deixando todo o resto do corpo presa das desordens e da confusão. Depois, ainda não satisfeito com isso, uniu Júpiter à razão, que está sozinha, duas fortíssimas paixões, que são como dois impetuosíssimos tiranos: uma é a Cólera, que domina o coração, centro das vísceras e fonte da vida; a outra é a Concupiscência, que estende o seu império desde a mais tenra juventude até à idade mais madura. Quanto ao que pode a razão contra esses dois tiranos, demonstra-o bem a conduta normal dos homens. Prescreve os deveres da honestidade, grita contra os vícios a ponto de ficar rouca, e é tudo o que pode fazer; mas os vícios riem-se de sua rainha, gritam ainda mais forte e mais imperiosamente do que ela, até que a pobre soberana, não tendo mais fôlego, é constrangida a ceder e a concordar com os seus rivais.

De resto, tendo o homem nascido para o manejo e a administração dos negócios, era justo aumentar um pouco, para esse fim, a sua pequeníssima dose de razão, mas, querendo Júpiter prevenir melhor esse inconveniente, achou de me consultar a respeito, como, aliás, costuma fazer quanto ao resto. Dei-lhe uma opinião verdadeiramente digna de mim: — Senhor, — disse-lhe eu — dê uma mulher ao homem, porque, embora seja a mulher um animal inepto e estúpido, não deixa, contudo, de ser mais alegre e suave, e, vivendo familiarmente com o homem, saberá temperar com sua loucura o humor áspero e triste do mesmo.


Quando Plutão pareceu hesitar se devia incluir a mulher no gênero dos animais racionais ou no dos brutos, não quis com isso significar que a mulher fosse um verdadeiro bicho, mas pretendeu, ao contrário, exprimir com essa dúvida a imensa dose de loucura do querido animal. Se, porventura, alguma mulher meter na cabeça a idéia de passar por sábia, só fará mostrar-se duplamente louca, procedendo mais ou menos como quem tentasse untar um boi, malgrado seu, com o mesmo óleo com que costumam ungir-se os atletas. Acreditai-me, pois, que todo aquele que, agindo contra a natureza, se cobre com o manto da virtude, ou afeta uma falsa inclinação, ou não faz senão multiplicar os próprios defeitos. E isso porque, segundo o provérbio dos gregos, o macaco é sempre macaco, mesmo vestido de púrpura. Assim também, a mulher é sempre mulher, isto é, é sempre louca, seja qual for a máscara sob a qual se apresente.


Não quero, todavia, acreditar jamais que o belo sexo seja tolo ao ponto de se aborrecer comigo pelo que eu lhe disse, pois também sou mulher, e sou a Loucura. Ao contrário, tenho a impressão de que nada pode honrar tanto as mulheres como o associá-las à minha glória, de forma que, se julgarem direito as coisas, espero que saibam agradecer-me o fato de eu as ter tornado mais felizes do que os homens.


Antes de tudo, têm elas o atrativo da beleza, que com razão preferem a todas as outras coisas, pois é graças a esta que exercem uma absoluta tirania mesmo sobre os mais bárbaros tiranos. Sabereis de que provém aquele feio aspecto, aquela pele híspida, aquela barba cerrada, que muitas vezes fazem parecer velho um homem que se ache ainda na flor dos anos? Eu vo-lo direi: provém do maldito vício da prudência, do qual são privadas as mulheres, que por isso conservam sempre a frescura da face, a sutileza da voz, a maciez da carne, parecendo não acabar nunca, para elas, a flor da juventude. Além disso, que outra preocupação têm as mulheres, a não ser a de proporcionar aos homens o maior prazer possível? Não será essa a única razão dos enfeites, do carmim, dos banhos, dos penteados, dos perfumes, das essências aromáticas, e tantos outros artifícios e modas sempre diferentes de vestir-se e disfarçar os defeitos, realçando a graça do rosto, dos olhos, da cor? Quereis prova mais evidente de que só a loucura constitui o ascendente das mulheres sobre os homens? Os homens tudo concedem às mulheres por causa da volúpia, e, por conseguinte, é só com a loucura que as mulheres agradam aos homens. Para confirmar ainda mais essa conclusão, basta refletir nas tolices que se dizem, nas loucuras que se fazem com as mulheres, quando se anseia por extinguir o fogo do amor.


Já vos revelei, portanto, a fonte do primeiro e supremo prazer da vida. Concordo que alguns existam (sobretudo certos velhos mais bebedores que mulherengos) cujo supremo prazer seja a devassidão. Deixo indecisa a questão de saber se é possível um bom banquete sem mulheres. O que é certo é que mesa alguma nos pode agradar sem o condimento da loucura. E tanto isso é verdade que, quando nenhum dos convidados se julga maluco ou, pelo menos, não finge sê-lo, é pago um bobo, ou convidado um engraçado filante que, com suas piadas, suas brincadeiras, suas bobagens, expulse da mesa o silêncio e a melancolia. Com efeito, que nos adiantaria encher o estômago com tão suntuosas, esquisitas e apetitosas iguarias, se os olhos, os ouvidos, o espírito e o coração não se nutrissem também de diversões, risadas e agradáveis conceitos? Ora, sou eu a inventora exclusiva de tais delícias. Teriam sido, porventura, os sete sábios da Grécia os descobridores de todos os prazeres de um banquete, como sejam tirar a sorte para se saber quem deve ser o rei da mesa, jogar dado, beberem todos no mesmo copo, cantar um de cada vez com o ramo de murta na mão (32), dançar, pular, ficar em várias atitudes? Decerto que não: somente eu podia inventá-los, para a felicidade do gênero humano. Todas as coisas são de tal natureza que, quanto mais abundante é a dose de loucura que encerram, tanto maior é o bem que proporcionam aos mortais. Sem alegria, a vida humana nem sequer merece o nome de vida. Mergulharíamos na tristeza todos os nossos dias, se com essa espécie de prazeres não dissipássemos o tédio que parece ter nascido conosco.


Talvez haja pessoas que, à falta de tais passatempos, limitem toda a sua felicidade às relações com verdadeiros amigos, repetindo sem cessar que a doçura de uma terna e fiel amizade ultrapassa todos os outros prazeres, sendo tão necessária à vida como o ar, a água, o fogo. — Tão agradável é a amizade, — acrescentam, — que afastá-la do mundo eqüivaleria a afastar o sol; em suma, é ela tão honesta (vocábulo sem significado para mim) que os próprios filósofos não hesitam em incluí-la entre os principais bens da vida. — Mas, que se dirá, quando eu provar que sou também a única fonte criadora de semelhante bem? Vou, pois, demonstrá-lo, não com sofismas, nem com caprichosos argumentos tão ao gosto de retóricos, mas à boa maneira e com toda a clareza.


Coragem, vamos! Dissimular, enganar, fingir, fechar os olhos aos defeitos dos amigos, ao ponto de apreciar e admirar grandes vícios como grandes virtudes, não será, acaso, avizinhar-se da loucura? Beijar, num transporte, uma mancha da amiga, ou sentir com prazer o fedor do seu nariz, e pretender um pai que o filho zarolho tenha dois olhos de Vênus (33), não será isso uma verdadeira loucura? Bradem, pois, quando quiserem ser uma grande loucura, e acrescentarei que essa loucura é a única que cria e conserva a amizade. Falo aqui unicamente dos homens, dos quais não há um só que tenha nascido sem defeitos, e admitindo que, para nós, o homem melhor seja o que tem menores vícios. É por isso que os sábios, pretendendo divinizar-se com sua filosofia, ou não contraem nenhuma amizade ou tornam a sua uma ligação áspera e desagradável. Além disso, só costumam gostar sinceramente de raríssimas pessoas, de forma que nenhum escrúpulo me impede de asseverar que não gostam absolutamente de ninguém, pela razão que vou apresentar. Quase todos os homens são loucos; mas, porque quase todos? Não há quem não faça suas loucuras e, a esse respeito, por conseguinte, todos se assemelham; ora, a semelhança é justamente o principal fundamento de toda estreita amizade.


Quando, porventura, nasce entre esses austeros filósofos uma recíproca benevolência, decerto que não é sincera nem durável. Todos eles são de humor volúvel e intratável, além de serem penetrantes demais: têm olhos de lince para descobrir os defeitos dos amigos, e de toupeira para ver os próprios. Portanto, como os homens estão sujeitos a muitas imperfeições (e podeis acrescentar a estas a diferença de idade e de inclinações, os numerosos erros, passos em falso e vicissitudes da vida humana), como poderia por um só instante subsistir entre esses Argos o laço da amizade, se a evithia, como a chamam os gregos, que em latim eqüivale a estupidez ou conivência, não o reforçasse? Servi-vos do amor para julgar da amizade, que é mais ou menos a mesma coisa. Não traz Cupido, esse autor, esse pai de toda ternura, uma venda nos olhos, que lhe faz confundir o belo com o feio? Não é ele, porventura, que faz cada um achar belo o que é seu, de forma que o velho é tão apaixonado por sua velha quanto o jovem por sua donzela? Essas coisas se verificam em toda parte, mas em toda parte são motivo de riso. Pois são justamente essas coisas ridículas que formam o principal laço da sociedade e que, mais do que tudo, contribuem para a alegria da vida.


O que dissemos da amizade também pensamos e com mais razão dizemos do matrimônio. Trata-se (como deveis estar fartos de saber) de um laço que só pode ser dissolvido pela morte. Deuses eternos! Quantos divórcios não se verificariam, ou coisas ainda piores do que o divórcio, se a união do homem com a mulher não se apoiasse, não fosse alimentada pela adulacão, pelas carícias, pela complacência, pela volúpia, pela simulação, em suma, por todas as minhas sequazes e auxiliares? Ah! como seriam poucos os matrimônios, se o noivo prudentemente investigasse a vida e os segredos de sua futura cara metade, que lhe parece o retrato da discrição, da pudicícia e da simplicidade! Ainda menos numerosos seriam os matrimônios duráveis, se os maridos, por interesse, por complacência ou por burrice, não ignorassem a vida secreta de suas esposas. Costuma-se achar isso uma loucura, e com razão; mas é justamente essa loucura que torna o esposo querido da mulher, e a mulher do esposo, mantendo a paz doméstica e a unidade da família. Corneia-se um marido? Toda a gente ri e o chama de corno, enquanto o bom homem, todo atencioso, fica a consolar a cara-metade, e a enxugar com seus ternos beijos as lágrimas fingidas da mulher adúltera. Pois não é melhor ser enganado dessa forma do que roer-se de bílis, fazer barulho, pôr tudo de pernas para o ar, ficar furioso, abandonando-se a um ciúme funesto e inútil? Afinal de contas, nenhuma sociedade, nenhuma união grata e durável poderia existir na vida, sem a minha intervenção: o povo não suportaria por muito tempo o príncipe, nem o patrão o servo, nem a patroa a criada, nem o professor o aluno, nem o amigo o amigo, nem o marido a mulher, nem o hospedeiro o hóspede, nem o senhorio o inquilino, etc., se não se enganassem reciprocamente, não se adulassem, não fossem prudentemente cúmplices, temperando tudo com um grãozinho de loucura. Não duvido que tudo o que até agora vos disse vos tenha parecido da máxima importância. E de que duvida a Loucura? Mas, muitas outras coisas deveis ainda escutar de mim. Redrobrai, pois, vossa gentil atenção.


Dizei-me por obséquio: um homem que odeia a si mesmo poderá, acaso, amar alguém? Um homem que discorda de si mesmo poderá, acaso, concordar com outro? Será capaz de inspirar alegria aos outros quem tem em si mesmo a aflição e o tédio? Só um louco, mais louco ainda do que a própria Loucura, admitireis que possa sustentar a afirmativa de tal opinião. Ora, se me excluirdes da sociedade, não só o homem se tornará intolerável ao homem, como também, toda vez que olhar para dentro de si, não poderá deixar de experimentar o desgosto de ser o que é, de se achar aos próprios olhos imundo e disforme, e, por conseguinte, de odiar a si mesmo. A natureza, que em muitas coisas é mais madrasta do que mãe, imprimiu nos homens, sobretudo nos mais sensatos, uma fatal inclinação no sentido de cada qual não se contentar com o que tem, admirando e almejando o que não possui: daí o fato de todos os bens, todos os prazeres, todas as belezas da vida se corromperem e reduzirem a nada. Que adianta um rosto bonito, que é o melhor presente que podem fazer os deuses imortais, quando contaminado pelo mau cheiro? De que serve a juventude, quando corrompida pelo veneno de uma hipocondria senil? Como, finalmente, podereis agir em todos os deveres da vida, quer no que diz respeito aos outros, quer a vós mesmos, como, — repito — podereis agir com decoro (pois que agir com decoro constitui o artifício e a base principal de toda ação), se não fordes auxiliados por esse amor próprio que vedes à minha direita e que merecidamente me faz as vezes de irmã, não hesitando em tomar sempre o meu partido em qualquer desavença? Vivendo sob a sua proteção, ficais encantados pela excelência do vosso mérito e vos apaixonais por vossas exímias qualidades, o que vos proporciona a vantagem de alcançardes o supremo grau de loucura. Mais uma vez repito: se vos desgostais de vós mesmos, persuadi-vos de que nada podereis fazer de belo, de gracioso, de decente. Roubada à vida essa alma, languesce o orador em sua declamação, inspira piedade o músico com suas notas e seu compasso, ver-se-á o cômico vaiado em seu papel, provocarão o riso o poeta e as suas musas, o melhor pintor não conquistará senão críticas e desprezo, morrerá de fome o médico com todas as suas receitas, em suma Nereu (34) aparecerá como Tersites, Faão como Nestor, Minerva como uma porca, o eloqüente como um menino, o civilizado como um bronco. Portanto, é necessário que cada qual lisonjeie e adule a si mesmo, fazendo a si mesmo uma boa coleção de elogios, em lugar de ambicionar os de outrem. Finalmente, a felicidade consiste, sobretudo, em se querer ser o que se é. Ora, só o divino amor próprio pode conceder tamanho bem. Em virtude do amor próprio, cada qual está contente com seu aspecto, com seu talento, com sua família, com seu emprego, com sua profissão, com seu país, de forma que nem os irlandeses desejariam ser italianos, nem os trácios atenienses, nem os citas habitantes das ilhas Fortunadas. Oh surpreendente providência da natureza! Em meio a uma infinita variedade de coisas, ela soube pôr tudo no mesmo nível. E, se não se mostrou avara na concessão de dons aos seus filhos, mais pródiga se revelou ainda ao conceder-lhes o amor próprio. Que direi dos seus dons? É uma pergunta tola. Com efeito, não será o amor próprio o maior de todos os bens?


Mas, para vos mostrar que tudo quanto entre os homens existe de célebre, estupendo, de glorioso, é tudo obra minha, quero começar pela guerra. Não se pode negar que essa grande arte seja a fonte e o fruto das mais estrepitosas ações. No entanto, que coisa se poderia imaginar de mais estúpido que a guerra? Dois exércitos se batem (sabe Deus por que motivo) e da sua animosidade obtêm muito mais prejuízo do que vantagem. Os que morrem inutilmente na guerra são incontáveis como os megareses (35). Além disso, dizei-me: que serviço poderiam prestar os sábios, quando os exércitos se estendem em ordem de combate e reboam no espaço o rouco som das cometas e o rufar dos tambores, ao passo que eles, definhados pelo estudo e pela meditação, arrastam com dificuldade uma vida que se tornou enferma pelo pouco sangue, frio e sutil, que lhes circula nas veias? (36) São necessários homens troncudos e grosseiros, robustos e audazes, mas de muito pouco talento, sim, são necessárias justamente semelhantes máquinas para o mister das armas. Quem poderá conter o riso ao ver Demóstenes fardado, para que, seguindo o sábio conselho de Arquíloco (37), mal aviste inimigo, jogue fora o escudo e se ponha a correr sem parar, pouco lhe importando que se revele, assim, um soldado tão covarde quanto excelente orador?


Podereis dizer-me que a guerra exige grande prudência. Concordo convosco, mas somente quanto aos generais e feita a ressalva de que se trata apenas de uma prudência toda especial, relativa ao mister das armas e que nenhuma relação tem com a sabedoria filosófica. É por isso que os parasitas, os proxenetas, os ladrões, os sicários, os boçais, os estúpidos, os falidos e, em geral, toda a escória social pode aspirar muito mais à imortalidade da guerra do que os homens que vivem dia e noite absorvidos na contemplação. Quereis um grande exemplo da inutilidade desses filósofos? Tomai o incomparável Sócrates, declarado pelo oráculo de Apolo como o primeiro e único sábio. Estúpida declaração! Mas, não importa: não sabendo eu o que tenha esse filósofo empreendido em beneficio público, deveis deixá-la abandonada ao escárnio universal. É que esse homem não era de todo louco, tendo constantemente recusado o título de sábio e respondido que semelhante título só era conveniente à divindade. Era também de opinião que qualquer que desejasse passar por sábio devia abster-se totalmente do regime da república. Se, porém, tivesse acrescentado que quem deseja ser tido em conta de homem deve abster-se de tudo o que se chama sabedoria, então eu teria concebido a seu respeito alguma opinião. Mas, afinal de contas, porque é que esse grande homem foi acusado perante os magistrados? Porque foi ele condenado a beber cicuta? Não teria sido, talvez, a sua sabedoria a causa de todos os seus males e, finalmente, de sua morte? Tendo passado toda a vida a raciocinar em torno das nuvens e das idéias, ocupando-se em medir o pé de uma pulga e se perdendo em admirar o zumbido do pernilongo, descuidou-se esse filósofo do estudo e do conhecimento dos homens, bem como da arte sumamente necessária de se adaptar a eles. Aí tendes, nesse retrato, o que também diz respeito a muitos dos nossos. Platão, que foi discípulo de Sócrates, ao ver o mestre ameaçado do último suplício, empenhou-se em tratar a sua causa como valente defensor, abriu a boca para realizar o seu digno papel, mas, perturbado pelo barulho da assembléia, perdeu-se na metade do primeiro período. Que direi de Teofrasto, discípulo de Aristóteles, que mereceu tal nome por sua eloqüência? Ao pretender falar ao povo, perdeu a voz, de tal forma que se diria “ter visto o lobo”. Pergunto, agora, se esses homens seriam capazes de encorajar os soldados. Isócrates, que sabia compor tão belas orações, desejou, acaso, falar em público? O próprio Cícero, pai da eloqüência romana, costumava tremer e gaguejar como um menino no início de suas orações. É verdade que Fábio interpreta essa timidez como o traço distintivo do orador penetrante e que conhece o perigo a que se acha exposto; mas, esse simples fato não será a confissão de que a filosofia é absolutamente incompatível com os negócios públicos? Como, pois, poderiam esses sábios sustentar o ferro e o fogo da guerra, se morrem de medo toda a vez que não se trata de combater apenas com a língua?


E, depois de tudo quanto dissemos, será possível decantar a célebre máxima de Platão, segundo a qual “as repúblicas seriam felizes se governadas pelos filósofos ou se os príncipes filosofassem”? Tenho a honra de vos dizer que a coisa é justamente o oposto. Se consultardes os historiadores, verificareis, sem dúvida, que os príncipes mais nocivos à república foram os que amaram as letras e a filosofia. Parece-me que os dois Catões (38) bastam como prova do que afirmo: um perturbou a tranqüilidade de Roma com numerosas delegações estúpidas, e o outro, por ter querido defender com excessiva sabedoria os interesses da república, destruindo pela base a liberdade do povo romano. Acrescentai a estes os Brutos (39), os Cássios, os Gracos, e o próprio Cícero, que não causou menor dano à república de Roma do que Demóstenes à de Atenas (40). Quero lembrar que Antonino foi um bom príncipe, embora haja fortes indícios em contrário e justamente porque, tendo sido excessivamente filósofo, acabou se tornando importuno e odioso aos cidadãos; mas, ao lembrar que foi bom, devo recordar, sem me contradizer, que foi ainda mais nocivo ao império, por ter deixado como sucessor o seu filho Cômodo, do que o favoreceu com sua administração. Os homens que se consagram ao estudo da ciência são, em geral, infelicíssimos em tudo, sobretudo com os filhos. Suponho que isso provenha de uma precaução da natureza, que dessa forma procura impedir que a peste da sabedoria se difunda em excesso entre os mortais. O filho de Cícero degenerou, e, quanto aos dois filhos do sábio Sócrates, mais se pareciam com a mãe do que com o pai, isto é, como foi acertadamente interpretado por alguém, eram ambos idiotas.


Isso não seria nada se esses filósofos só fossem incapazes de exercer os cargos e empregos públicos; o pior, porém, é que estão longe de ser melhores para as funções e os deveres da vida. Convidai um sábio para um banquete, e vereis que ou conservará um profundo silêncio ou interromperá os demais convidados com frívolas e importunas perguntas. Convidai-o para um baile, e dançará com a agilidade de um camelo. Levai-o a um espetáculo, e bastará o seu aspecto para impedr que o povo se divirta. Por se ter recusado obstinadamente a abandonar sua imponente gravidade, é que o sábio Catão (41) foi constrangido a retirar-se. Entra o sábio em alguma palestra alegre? Logo todos se calam, como se tivessem visto o lobo. Trata-se, porém, de comprar, de vender, de concluir um contrato, em suma, de fazer uma dessas coisas que diariamente sucedem a cada um? Tomareis o sábio mais por uma estátua do que por um homem, a tal ponto se mostra ele embaraçado em cada negócio. Assim, o filósofo não é bom, nem para si, nem para o seu país, nem para os seus. Mostrando-se sempre novo no mundo, em oposição às opiniões e aos costumes da universalidade dos cidadãos, atrai o ódio de todos com sua diferença de sentimentos e de maneiras.


Tudo o que fazem os homens está cheio de loucura. São loucos tratando com loucos. Por conseguinte, se houver uma única cabeça que pretenda opor obstáculo à torrente da multidão, só lhe posso dar um conselho: que, a exemplo de Timão (42), se retire para um deserto, a fim de aí gozar à vontade dos frutos de sua sabedoria.


Mas, voltando ao assunto: que virtude, que poder já reuniu, no recinto de uma cidade, homens naturalmente rudes, indômitos e selvagens? Quem já pôde humanizar esses ferozes animais? A adulação. Nesse sentido é que se devem entender a fábula de Anfião (43) e a citara de Orfeu. Quem reanimou e reuniu a plebe romana, quando ameaçava dissolver-se? Foi, acaso, uma oração filosófica? Decerto que não: foi um ridículo, um pueril apólogo sobre a revolta dos membros contra o estômago (44). Temístocles (45) produziu o mesmo efeito com o seu apólogo da raposa e o ouriço. Empregue, pois, o sábio os mais tolos conceitos da filosofia, e jamais triunfará como um Sertório (46) com sua imaginária corça ou o engraçado ardil da cauda dos dois cavalos. Não alcançará nunca o seu objetivo como o alcançaram os dois cães do célebre legislador de Esparta (47). Já não falo de Minos nem de Numa (48), que por meio de fabulosas invenções souberam tirar proveito da ignorância popular. É sempre com semelhante puerilidades que se faz mover a grande e estúpida besta que se chama povo.


Dizei-me se houve uma única cidade que tenha adotado as leis de Platão e de Aristóteles, ou as máximas de Sócrates (49). Respondei-me: que motivo levou os Décios, pai e filho, a se consagrarem aos deuses infernais? Que ganhou Cúrcio precipitando-se na voragem (50)? Tudo foi obra da glória, dessa dulcíssima sereia que, por isso, foi muito condenada por nossos sábios. É por isso que eles exclamam: — Pode haver maior loucura que a de um candidato que adula suplicentemente o povo para conquistar honras e que compra o seu favor à custa de liberalismo? que a daquele que recebe servil e humildemente os aplausos dos mentecaptos? daquele que fica lisonjeado com as aclamações populares? daquele que se deixa carregar em triunfo, como uma estátua, para ser visto pelo povo, ou que é efigiado em bronze no foro? A todas essas loucuras, acrescentai a da adoção dos nomes e sobrenomes; acrescentai as honras divinas prestadas a um homem sem mérito algum; acrescentai, finalmente, as cerimônias públicas levadas a efeito para colocar no número dos deuses os mais celerados tiranos (51). Quem será capaz de negar que não há coisa mais tola? Não bastaria um Demócrito para rir bastante disso. Mas, não será também verdade que a Loucura foi a autora de todas as famosas proezas dos valorosos heróis que tantos literatos eloqüentes elevaram às estrelas? É a Loucura que forma as cidades; graças a ela é que subsistem os governos, a religião, os conselhos, os tribunais; e é mesmo lícito asseverar que a vida humana não passa, afinal, de uma espécie de divertimento da Loucura.


Mas, passemos, agora, a falar das artes. Quem anima os homens a descobrir, a transmitir aos seus pósteros tantas produções, ao parecer excelentes, se não a sede de glória? Acharam esses homens, na verdade bastante tolos, que não deviam poupar nem velas, nem suor, nem esforços de fadiga para conquistar não sei que imortalidade, a qual não passa, em última análise, de uma belíssima quimera. Deveis, pois, à Loucura todos os bens que já se introduziram no mundo, todos esses bens que estais gozando e que tanto contribuem para a felicidade da vida.


Pois bem, que direis, senhores, se, depois de vos ter provado que a mim se devem todos os louvores atribuídos à força e ao engenho humanos, eu vos provar que a mim também pertencem os que recebe a prudência? — Essa é boa! — dirá, talvez, alguém. — Pretendeis misturar o fogo com a água, pois a Loucura e a Prudência não são menos opostas que esses dois elementos contrários. — Não obstante sentir-me-ei lisonjeada por vos convencer disso, desde que continueis a prestar-me vossa gentil atenção.


Se a prudência consiste no uso comedido das coisas, eu desejaria saber qual dos dois merece mais ser honrado com o título de prudente: o sábio que, parte por modéstia, parte por medo, nada realiza, ou o louco, que nem o pudor (pois não o conhece) nem o perigo (porque não o vê) podem demover de qualquer empreendimento. O sábio absorve-se no estudo dos autores antigos; mas, que proveito tira ele dessa constante leitura? Raros conceitos espirituosos, alguns pensamentos requintados, algumas simples puerilidades — eis todo o fruto de sua fadiga. O louco, ao contrário, tomando a iniciativa de tudo, arrostando todos os perigos, parece-me alcançar a verdadeira prudência. Homero, embora cego, enxergava muito bem essas verdades: “O tolo — disse ele — aprende à própria custa e só abre os olhos depois do fato”. Duas coisas, sobretudo, impedem que o homem saiba ao certo o que deve fazer: uma é a vergonha, que cega a inteligência e arrefece a coragem; a outra é o medo, que, indicando o perigo, obriga a preferir a inércia à ação. Ora, é próprio da Loucura dirimir todas essas dificuldades. Raros são os que sabem que, para fazer fortuna, é preciso não ter vergonha de nada e arriscar tudo. Quero observar-vos, além disso, que os que preferem a prudência fundada no julgamento das coisas estão muito longe de possuírem a verdadeira prudência.


Todas as coisas humanas têm dois aspectos, à maneira dos Silenos de Alcibíades (52), que tinham duas caras completamente opostas. Por isso é que, muitas vezes, o que à primeira vista parece ser a morte, na realidade, observado com atenção, é a vida. E assim, muitas vezes, o que parece ser a vida é a morte; o que parece belo é disforme; o que parece rico é pobre; o que parece infame é glorioso; o que parece douto é ignorante; o que parece robusto é fraco; o que parece nobre é ignóbil; o que parece alegre é triste; o que parece favorável é contrário; o que parece amigo é inimigo; o que parece salutar é nocivo; em suma, virado o Sileno, logo muda a cena. Estarei falando muito filosoficamente? Pois vou explicar-me com maior clareza.


Todos vós estais convencidos, por exemplo, de que um rei, além de muito rico, é o senhor dos seus súditos. Mas, se ele tiver no peito um coração brutal, se for insaciável na sua cobiça, se nunca se mostrar satisfeito com o que possui, não concordareis comigo que é miserabilíssimo? Se ele se deixar transportar por seus vícios e por suas paixões, não se tornará um dos escravos mais vis? O mesmo se poderia dizer de tudo mais. Basta, porém, esse exemplo. — E com que fim — podeis perguntar-me — nos dizeis tudo isso? — Um pouco de paciência, e vereis aonde quero chegar. Se alguém se aproximasse de um cômico mascarado, no instante em que estivesse desempenhando o seu papel, e tentasse arrancar-lhe a máscara para que os espectadores lhe vissem o rosto, não perturbaria assim toda a cena? Não mereceria ser expulso a pedradas, como um estúpido e petulante? No entanto, os cômicos mascarados tornariam a aparecer; ver-se-ia que a mulher era um homem, a criança um velho, o rei um infeliz e Deus um sujeito à-toa. Querer, porém, acabar com essa ilusão importaria em perturbar inteiramente a cena, pois os olhos dos espectadores se divertiam justamente com a troca das roupas e das fisionomias. Vamos à aplicação: que é, afinal, a vida humana? Uma comédia. Cada qual aparece diferente de si mesmo; cada qual representa o seu papel sempre mascarado, pelo menos enquanto o chefe dos comediantes não o faz descer do palco. O mesmo ator aparece sob várias figuras, e o que estava sentado no trono, soberbamente vestido, surge, em seguida, disfarçado em escravo, coberto por miseráveis andrajos. Para dizer a verdade, tudo neste mundo não passa de uma sombra e de uma aparência, mas o fato é que esta grande e longa comédia não pode ser representada de outra forma.


Prossigamos. Se algum sábio caído do céu surgisse entre nós e se pusesse a gritar: “Não! Aquele que venerais vosso Deus e Senhor (53) não é sequer um homem, não passando de um animal dominado pelo impulso do instinto, de um escravo dos mais abjetos, pois serve a tantos vis tiranos quantas são as suas paixões”, — se esse sábio, dirigindo-se a alguém que chorasse a morte do pai, o exortasse a rir, dizendo-lhe que esta vida não passa, na realidade, de uma contínua morte e que, por conseguinte, seu pai só fez cessar de morrer; se, enfurecendo-se com algum vaidoso soberbo de sua genealogia, o tratasse de ignóbil e de bastardo por estar totalmente afastado da virtude, que é a única e exclusiva fonte da verdadeira nobreza; e, se dessa maneira o nosso filósofo fosse falando de todas as outras coisas humanas, pergunto eu que resultado obteria ele de suas declamações. Passaria, decerto, para todos, por louco furioso. Portanto, ficai certos de que, assim como não há maior estupidez do que querer passar por sábio fora do tempo, assim também não há nada mais ridículo e imprudente do que uma prudência mal compreendida e inoportuna. Na verdade, nós nos enganamos redondamente quando queremos distinguir-nos no gênero humano, recusando-nos a nos adaptar aos tempos. Nunca se deveria esquecer esta lei que os gregos estabeleceram para os seus banquetes: Bebei e ide-vos embora (54). O contrário seria pretender que a comédia deixasse de ser comédia. Além disso, se a natureza vos fez homens, a verdadeira prudência exige que não vos eleveis acima da condição humana. Em poucas palavras, de duas uma: ou dissimular intencionalmente com os seus semelhantes, ou correr ingenuamente o risco de se enganar com eles. E não será esta — indagam os sábios — outra espécie de loucura? — Quem o nega? Que me concedam, porém, que é essa a única maneira de cada qual fazer a sua pessoa aparecer na comédia do mundo.