VOCÊ NÃO ESTÁ NA PÁGINA PRINCIPAL. CLIQUE AQUI PARA RETORNAR



segunda-feira, julho 24, 2006

Crítica da Razão Pura - Kant - Parte Primeira - 01 ao 06

CRÍTICA DA RAZÃO PURA - KANT

PARTE PRIMEIRA
DA TEORIA ELEMENTAR TRANSCENDENTAL


Estética Transcendental

1. Qualquer que seja o modo de como um conhecimento possa relacionar-se com os objetos, aquele em que essa relação é imediata e que serve de meio a todo pensamento, chama-se intuição (Ansechauung). (1) Mas esta intuição não tem lugar senão sob a condição de nos ser dado o objeto, e isto só é possível, para o homem, modificando o nosso espírito de certa maneira.

A capacidade de receber (a receptividade) representações dos objetos segundo a maneira como eles nos afetam, denomina-se sensibilidade. Os objetos nos são dados mediante a sensibilidade e somente ela é que nos fornece intuições; mas é pelo entendimento que elas são pensadas, sendo dele que surgem os conceitos. Todo pensamento deve em última análise, seja direta ou indiretamente, mediante certos caracteres, referir-se às intuições, e, conseguintemente, à sensibilidade, porque de outro modo nenhum objeto nos pode ser dado.

A impressão de um objeto sobre esta capacidade de representações, enquanto somos por ele afetados, é a sensação. Chama-se empírica toda intuição que relaciona ao objeto, por meio da sensação. O objeto indeterminado de uma intuição empírica, denomina-se fenômeno. No fenômeno chamo matéria àquilo que corresponde à sensação; aquilo pelo qual o que ele tem de diverso pode ser ordenado em determinadas relações, denomino “forma do fenômeno”. Como aquilo mediante o qual as sensações se ordenam e são suscetíveis de adquirir certa forma não pode ser a sensação, infere-se que a matéria dos fenômenos só nos pode ser fornecida “a posteriori”, e que a forma dos mesmos deve achar-se já preparada “a priori” no espírito para todos em geral, e que por conseguinte pode ser considerada independentemente da sensação.

Toda a representação na qual não há traço daquilo que pertence à sensação chamo pura (em sentido transcendental). A forma pura das intuições sensíveis em geral, na qual todo o diverso dos fenômenos é percebido pela intuição sob certas relações, encontra-se “a priori” no espírito. Esta forma pura da sensibilidade pode ainda ser designada sob o nome de intuição pura. Assim, quando na representação de um corpo eu me abstraio daquilo que a inteligência pensa, como substância, força, divisibilidade etc., bem como daquilo que pertence à sensação, como a impenetrabilidade, a dureza, a cor etc., ainda me resta alguma coisa desta intuição empírica, a saber: a extensão e a figura. Estas pertencem à intuição pura, que tem lugar “a priori” no espírito, como uma forma pura da sensibilidade e sem um objeto real do sentido ou sensação.

Denomino Estética transcendental (2) à ciência de todos os princípios “a priori” da sensibilidade. É pois esta ciência que deve constituir a primeira parte da teoria transcendental dos elementos, por oposição àquela que contém os princípios do pensamento puro e que se denominará Lógica transcendental.

Na Estética transcendental, nós começaremos por isolar a sensibilidade, fazendo abstração de tudo quanto o entendimento aí acrescenta e pensa por seus conceitos, de tal sorte que só fique a intuição empírica. Em segundo lugar, separaremos, também, da intuição tudo o que pertence à sensação, com o fim de ficarmos só com a intuição pura e com a forma do fenômeno, que é a única coisa que a sensibilidade nos pode dar “a priori”. Resultará desta pesquisa que existem duas formas puras da intuição sensível, como princípios do conhecimento “a priori”, a saber: o espaço e o tempo, de cujo exame vamos agora ocupar-nos.


Primeira Seção

Da Estética Transcendental do Espaço
2 - Exposição metafísica deste conceito

Por meio dessa propriedade de nosso espírito que é o sentido externo, nós nos representamos os objetos como estando fora de nós e colocados todos no espaço. É lá que sua figura, sua grandeza e suas relações recíprocas são determinadas ou determináveis. O sentido interno, por meio do qual o espírito se percebe a si mesmo intuitivamente, ou percebe o seu estado interior, não nos dá, sem dúvida, nenhuma intuição da alma, ela mesma como objeto; mas há todavia uma forma determinada pela qual é possível a intuição do seu estado interno, e segundo a qual tudo que pertence às suas determinações internas é representado segundo relações de tempo. O tempo não pode ser percebido exteriormente, assim como o espaço não pode ser considerado como algo interior em nós outros. Que são, pois, tempo e espaço? São entidades reais ou são somente determinações ou mesmo simples relações das coisas? E essas relações seriam de tal natureza que eles não cessariam de subsistir entre as coisas, mesmo quando não fossem percebidos como objetos de intuição?

Ou são tais que só pertencem à forma da intuição, e, por conseguinte, à qualidade subjetiva de nosso espírito, sem a qual esses predicados jamais poderiam ser atribuidos a coisa alguma?

Para obter uma resposta exporemos primeiramente o conceito de espaço. Entendo por exposição a clara representação (ainda que não seja extensa) do que pertence a um conceito; a exposição é metafísica quando contém o que o conceito apresenta como dado “a priori”.

1.° – O espaço não é um conceito empírico, derivado de experiências exteriores. Com efeito, para que eu possa referir certas sensações a qualquer coisa de exterior a mim (quer dizer, a qualquer coisa colocada em outro lugar do espaço diverso do que ocupo), e, para que possa representar as coisas como de fora e ao lado umas das outras, e por conseguinte como não sendo somente diferentes, mas colocadas em lugares diferentes, deve existir já em princípio a representação do espaço. Esta representação não pode, pois, nascer por experiência das relações dos fenômenos exteriores, sendo que estas só são possíveis mediante a sua prévia existência.

2.° – O espaço é uma representação necessária, “a priori”, que serve de fundamento a todas as intuições externas. É impossível conceber que não exista espaço, ainda que se possa pensar que nele não exista nenhum objeto. Ele é considerado como a condição da possibilidade dos fenômenos, e não como uma representação deles dependente; e é uma representação “a priori”, que é o fundamento dos fenômenos externos.

3.° – O espaço não é um conceito discursivo, ou, como se diz, universal das relações das coisas em geral, mas uma instituição pura. Com efeito, não se pode representar mais que um só espaço, e quando se fala de muitos, entende-se somente que se refere às partes do mesmo espaço único e universal. Estas partes só se concebem no espaço uno e onicompreensivo, sem que pudessem precedê-lo como se fossem seus elementos (cuja composição fora possível em um todo). O espaço é essencialmente uno; a variedade que nele achamos, e, conseqüentemente, o conceito universal de espaço em geral, fundam-se unicamente em limitações. Daqui se segue que o que serve de base a todos os conceitos que temos do espaço, é uma intuição “a priori” (que não é empírica). O mesmo acontece cóm os princípios geométricos, como quando dizemos, por exemplo, que a soma de dois lados de um triángulo é maior do que o terceiro, cuja certeza apodítica não procede dos conceitos gerais de linha e triângulo, mas de uma intuição “a priori”.

4.° – O espaço é representado como uma grandeza infinita dada. É necessário considerar todo conceito como uma representação contida em uma multidão infinita de representações distintas (das quais é expressão comum); mas nenhum conceito como tal contém em si uma multidão infinita de representações. Sem embargo, assim concebemos o espaço (pois todas as suas partes coexistem no infinito). A primitiva representação do espaço é, pois, uma intuição “a priori” e não um conceito.


3 - Exposição Transcendental do Conceito de Espaço


Entendo por exposição transcendental a aplicação de um conceito, como princípio que pode mostrar a possibilidade de outros conhecimentos sintéticos “a priori”. Ora, isso supôe duas coisas:

1 – que realmente emanem do conceito dado tais conhecimentos;

2 – que esses conhecimentos não sejam possíveis senão sob a suposição de um modo de explicação dado e tirado desse conceito.

A Geometria é uma ciência que determina sinteticamente, e, portanto, “a priori”, as propriedades do espaço. Que deve ser, pois, a representação do espaço, para que tal conhecimento seja possível? Deve ser, primeiramente, uma intuição; porque é impossível tirar de um simples conceito proposições que o ultrapassem, como se verifica em Geometria (Int. V).

Mas essa intuição deve achar-se em nós, “a priori”, quer dizer, anteriormente a toda percepção de um objeto, e, por conseguinte, ser pura e não empírica.

Efetivamente, as proposições geométricas, como esta por exemplo: o espaço não tem mais que três dimensões, são todas apodíticas, quer dizer que elas implicam a consciência de sua necessidade; mas tais proposições não podem ser julgamentos empíricos ou de experiência, nem deles derivar (Introdução, II).

Como se encontra, pois, no espírito, uma intuição externa anterior aos mesmos objetos e na qual o conceito desses objetos pode ser determi¬nado “a priori”? Isso só pode acontecer sob a condição de que ela tenha sua sede no sujeito, com a capacidade formal que ele tem de ser afetado por objetos e de receber assim uma representação imediata, quer dizer, uma intuição, por conse¬guinte como forma do sentido exterior em geral.

Nossa explicação é a única que torna compreensível a possibilidade da Geometria como ciência sintética. Toda explicação que não oferece essa vantagem pode ser por esse sinal distinguida da nossa, por maior semelhança que com ela apresente.

Consequências dos conceitos precedentes

a) O espaço não representa nenhuma propriedade das coisas, já consideradas em si mesmas, ou em suas relações entre si, quer dizer, nenhuma determinação que dependa dos objetos mesmos e que permaneça neles se se faz abstração de todas as condições subjetivas da intuição; porque nem as determinações absolutas, nem as relativas podem ser percebidas antes da existência das coisas a que pertencem, e por conseguinte “a priori”.

b) O espaço não é mais do que a forma dos fenômenos dos sentidos externos, quer dizer, a única condição subjetiva da sensibilidade, mediante a qual nos é possível a intuição externa. E como a propriedade do sujeito de ser afetado pelas coisas precede necessariamente a todas as intuições das mesmas, compreende-se facilmente que a forma de todos os fenômenos pode achar-se dada no espírito antes de toda percepção real, e, consequentemente, “a priori”. Mas como seja uma intuição pura onde todos os objetos devem ser determinados, ela pode conter anteriormente a toda experiência os princípios de suas relações.

Não podemos, pois, falar de espaço, de seres extensos etc., senão debaixo do ponto de vista do homem. Nada significa a representação do espaço, se saímos da condição subjetiva, única sob a qual podemos receber a intuição externa, quer dizer, ser afetados pelos objetos.

Este predicado só convém às coisas, enquanto elas nos aparecem a nós, quer dizer, enquanto são objetos da sensibilidade. A forma constante desta receptividade, que denominamos sensibilidade, é a condição necessária de todas as relações, em que os objetos são intuídos como exteriores a nós outros; e se dita forma for abstraída dos objetos é então uma intuição pura, que toma o nome de Espaço.

Como as condições particulares da sensibilidade não são as condições da possibilidade das coisas mesmas, senão somente as de seus fenômenos, bem podemos dizer que o espaço compreende todas as coisas que nos aparecem exteriormente; mas não todas as coisas em si mesmas, quer sejam ou não percebidas e qualquer que seja o sujeito que as perceba; porque de modo algum poderemos julgar as intuições dos outros seres pensantes, nem saber se se acham sujeitas às mesmas condições que limitam as nossas intuições, e que têm para nós um valor universal.

Se acrescentamos ao conceito do sujeito a limitação de um juízo, então nosso juízo tem um valor absoluto ou incondicionado. Esta proposição: todas as coisas estão justapostas no espaço, vale sob esta restrição: desde que tais coisas sejam to¬madas como objetos da nossa intuição sensível; se eu adito a condição ao conceito e digo: todas as coisas, como fenômenos externos, estão justapostas no espaço, essa regra valerá universalmente e sem restrição alguma.

Nosso exame do espaço mostra-nos a sua realidade, quer dizer, o seu valor objetivo relativamente a tudo aquilo que se pode apresentar-nos como objeto; mas ao mesmo tempo, também, a idealidade do espaço relativamente às coisas consideradas em si mesmas pela razão, quer dizer, sem atender à natureza de nossa sensibilidade.

Afirmamos, pois, a realidade empírica do es¬paço em relação a toda experiência externa possível; mas reconhecemos também a idealidade transcendente do mesmo, quer dizer, a sua não existência, desde o momento em que abandona¬mos as condições de possibilidade de toda experiência e cremos seja ele algo que serve de fundamento às coisas em si.

Excetuando o espaço, não existe nenhuma representação subjetiva que se refira a qualquer coisa de externo, e que possa dizer-se objetiva “a priori”, porque de nenhuma delas podem derivar-se proposições sintéticas “a priori”, como aquelas que derivam da intuição no espaço. Para falar exatamente, nenhuma idealidade lhes corresponde, ainda que tenham em comum com o espaço a sua dependência unicamente da constituição subjetiva da sensibilidade, por exemplo: da vista, do ouvido, do tato; mas as sensações de cores, dos sons, do calor, sendo puras sensações e não intuições, não nos fazem por si mesmas qualquer objeto, pelo menos “a priori”.

O fim desta observação é somente impedir que se explique a idealidade atribuida ao espaço por exemplos inadequados, como as cores, o sabor etc., que se considera, com razão, não como propriedade das coisas, mas sim como modificações do indivíduo, e que podem ser muito diferentes, como o são os indivíduos.

Neste último caso, com efeito, aquilo que não é originariamente senão um fenômeno, por exemplo, uma rosa tem, no sentido empírico, o valor de uma coisa em si, se bem que, quanto à cor, possa a parecer diferente aos diferentes olhos. Pelo contrário, o conceito transcendental dos fenômenos no espaço nos sugere esta observação crítica, de que em geral nada do que é intuído no espaço, é coisa em si; e, ainda, que o espaço não é uma forma das coisas consideradas em si mesmas, mas que os objetos não nos são conhecidos em si mesmos e aquilo que denominamos objetos exteriores consiste em simples representações de nossa sensibilidade cuja forma é o espaço, mas cujo verdadeiro correlativo, a coisa em si, permanece desconhecida e incognoscível, jamais sendo indagada da experiência.
________________________________________
Segunda Seção
Da Estética Transcendental do Tempo
4 - Exposição metafísica do conceito de tempo

1.° O tempo não é um conceito empírico derivado de experiência alguma, porque a simultaneidade ou a sucessão não seriam percebidas se a representação “a priori” do tempo não lhes servisse de fundamento. Só sob esta suposição podemos representar-nos que uma coisa seja ao mesmo tempo que outra (simultânea), ou em tempo diferente (sucessiva).

2.° O tempo é uma representação necessária que serve de base a todas as intuições. Não se pode suprimir o tempo nos fenômenos em geral, ainda que se possa separar, muito bem, estes daquele. O tempo, pois, é dado “a priori”. Só nele é possível toda realidade dos fenômenos. Estes podem todos desaparecer; mas o tempo mesmo, como condição geral de sua possibilidade, não pode ser suprimido.

3.° Nesta necessidade “a priori” se funda também a possibilidade dos princípios apodíticos, das relações ou axiomas do tempo em geral, tais como o tempo não mais que uma dimensão; os diferentes tempos não são simultâneos, mas sucessivos (enquanto que espaços diferentes não são sucessivos mas sim simultâneos). Estes princípios não são deduzidos da experiência, porque esta não pode dar uma estrita universalidade nem uma certeza apodítica.

Poderíamos dizer: assim o ensina a observação geral; e não: isto deve ser assim. Estes princípios têm, pois valor como regras, que tornam a experiência possível em geral, pois são elas que nos proporcionam o conhecimento da experiência.

4.° O tempo não é nenhum conceito discursivo ou, como se diz, geral, mas uma forma pura da intuição sensível. Tempos diferentes não são senão partes de um mesmo tempo. Ora, uma representação que só pode ser dada por um objeto único, é uma intuição.

Assim a proposição: tempos diferentes não podem ser simultâneos, não se deriva de um conceito geral. Ela é uma proposição sintética que não pode derivar somente de conceitos. Acha-se pois contida imediatamente na intuição e representação do tempo.

5.° A natureza infinita do tempo significa que toda quantidade determinada de tempo é somente possível pelas limitações de um único tempo que lhes serve de fundamento. Portanto, a representação primitiva do tempo deve ser dada como ilimitada. Ora, quando as partes mesmas e quantidades todas de um objeto só podem ser representadas e determinadas por meio de uma limitação, então a representação toda desse objeto não pode ser dada por conceitos (porque estes só contém representações parciais) devendo ter como fundamento uma intuição parcial.

5 - Exposição transcendental do conceito de tempo

Para explicar este ponto, posso reportar-me ao número 3 precedente, onde, para ser breve, coloquei o que propriamente é transcendental, sob o titulo de exposição metafísica. Aqui somente acrescento que os conceitos de mudança e de movimento (como mudança de lugar), só são possíveis por e na representação do tempo, e que se essa representação não fosse uma intuição (interna) “a priori”, não houve a possibilidade de uma mudança, quer dizer, a possibilidade de união de predicados opostos contraditoriamente em um só e mesmo objeto (por exemplo, que uma mesma coisa esteja e não esteja em um lugar).

Somente no tempo podem encontrar-se essas duas determinações contraditoriamente opostas em uma mesma coisa, quer dizer, só na sucessão. Explica, pois, nosso conceito de tempo, a possibilidade de tantos conhecimentos sintéticos “a priori”, como expõe a ciência geral do movimento, que não é pouco fecunda.

6 - Corolários destes conceitos

a) O tempo não subsiste por si mesmo, nem pertence às coisas como determinação objetiva que permaneça na coisa mesma uma vez abstraídas todas as condições subjetivas de sua intuição. No primeiro caso, o tempo, sem objeto real, seria sem embargo algo real; no segundo, sendo uma determinação das coisas mesmas, ou uma ordem estabelecida, não poderia preceder aos objetos com sua condição, nem ser conhecido e percebido “a priori” por proposições sintéticas.

Mas este último tem lugar se o tempo não é mais flue a condição subjetiva sob a qual são pos¬síveis em nós as intuições; porque, então, esta forma da intuição interna pode ser representada anteriormente aos objetos, e por conseguinte “a priori”.


b) O tempo é a forma do sentido interno, que quer dizer, da intuição de nós outros mesmos e de nosso estado interior. O tempo não pode ser determinação alguma dos fenômenos externos, não pertence nem a uma figura, nem a uma posição, pois ele determina a relação das representações em nossos estados internos.

E como esta intuição interior não forma figura alguma, procuramos suprir esta falta pela analogia e representamos a sucessão do tempo por uma linha prolongável até o infinito, cujas diversas partes constituem uma série de uma só dimensão, e derivamos das propriedades desta linha todas as do tempo, excetuando só uma, a saber: que as partes das linhas são simultâneas, enquanto que as do tempo são sempre sucessivas. Donde se deduz também que a representação do tempo é uma intuição, porque todas as suas relações podem ser expressas por uma intuição exterior.


c) O tempo é a condição formal “a priori” de todos os fenômenos em geral. O espaço, como forma pura de todas as intuições externas, só serve, como condição “a priori”, para os fenômenos exteriores. Pelo contrário, como todas as representações, tenham ou não por objeto coisas exteriores, pertencem, não obstante, por si mesmas, como esse estado, sob a condição formal da intuição interna, pertence ao tempo, é o tempo uma condição “a priori” de todos os fenômenos interiores (de nossa alma) e a condição imediata dos fénômenos externos.

Se posso dizer “a priori”: todos os fenômenos exteriores estão no espaço e são determinados “a priori” segundo as relações do espaço, posso afirmar também em um sentido geral e partindo do princípio do sentido interno: todos os fenômenos em geral, quer dizer, todos os objetos dos sentidos estão no tempo, e estão necessariamente sujeitos às relações do tempo.

O tempo é um pensamento vazio (nada) se fazemos abstração de nossa maneira de intuição interna, do modo como compreendemos todas as intuições exteriores em nossa faculdade de representar (mediante essa intuição), e tomamos, por conseguinte, os objetos tais como podem ser em si mesmos. O tempo tem um valor objetivo somente em relação aos fenômenos porque estes são coisas que consideramos como objetos de nossos sentidos; mas deixa de ter esse valor objetivo quando se faz abstração da sensibilidade de nossa intuição (por conseguinte, desta espécie de representação que nos é própria), quando se fala de coisas em geral.

O tempo, que não é senão uma condição subjetiva de nossa intuição geral (sempre sensível, quer dizer, só se produz quando somos afetados pelos objetos), considerado em si mesmo e fora do sujeito, não é nada. É, não obstante, necessariamente objetivo em relação a todos os fenômenos, e por conseguinte, também a todas as coisas que a experiência pode oferecer-nos. Não podemos dizer: todas as coisas existem no tempo, porque, no conceito de coisas em geral, faz-se abstração de toda maneira de intuição dessas coisas e sendo esta propriamente a condição pela qual o tempo pertence à representação dos objetos.

Mas se esta condição se acrescenta ao con¬ceito e se diz: todas as coisas, como fenômenos (objetos da intuição sensível), existem no tempo, então tem esse princípio o seu exato valor objetivo e a sua universalidade “a priori”.

As nossas considerações mostram a realidade empírica do tempo, quer dizer, o seu valor objetivo relativamente a todos os objetos que possam oferecer-se aos nossos sentidos. E como a nossa in¬tuição é sempre sensível, não pode nunca oferecer-se a nós outros um objeto na experiência, que. não seja sujeito às condições do tempo.

Contestamos, portanto, toda pretensão da realidade absoluta do tempo, a saber: a que o considera, sem atender à forma da nossa intuição sensível, como absolutamente inerente às coisas, quer dizer, como condição ou propriedade. Tais propriedades que pertencem às coisas em si, não podem nunca ser dadas pelos sentidos.

Cumpre admitir a idealidade transcendental do tempo, no sentido de que se se abstraem as condições subjetivas da intuição sensível, não é absolutamente nada não podendo ser atribuida, tampouco, as coisas em si mesmas (independentemente de toda relação com a nossa intuição).

Todavia, esta idealidade, a mesma que a do espaço, não deve ser comparada aos dados subjetivos das sensações, porque aqui se supõe que o fenômeno mesmo a que se unem estes atributos tem uma realidade objetiva; a realidade que falta completamente aqui, a não ser que se considere só empiricamente, quer dizer, seja a título de substância, seja a título de qualidade. Veja-se sobre isto a observação da primeira seção.

RETORNAR AO ÍNDICE DE CRÍTICA DA RAZÃO PURA